BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e aliados utilizaram de um parecer emitido pela PGR (Procuradoria-Geral da República) para ficarem em silêncio no depoimento simultâneo à Polícia Federal desta quinta-feira (31).
A procuradoria, sob Augusto Aras, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) o envio do inquérito das milícias digitais, em que está a investigação do suposto esquema de venda, recompra e devolução de joias recebidas por Bolsonaro, à primeira instância –o que a tiraria da relatoria de Alexandre de Moraes.
Desde 2020, quando o caso se aproximou do círculo mais próximo do ex-presidente, a PGR tenta arquivá-lo. A partir do início do governo Lula (PT), mudou levemente de postura, apoiando a investigação sobre fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro, mas mantendo o pedido de envio do caso das joias à Justiça de Guarulhos (SP), feito neste mês.
O ex-presidente, que costuma falar de improviso, desta vez silenciou. Michelle, por sua vez, publicou uma nota nas suas redes sociais ressaltando o entendimento da PGR.
“Não se trata de ficar em silêncio. Estou totalmente à disposição para falar na esfera competente e não posso me submeter a prestar depoimento em local impróprio, como já restou expressamente consignado pela dra. representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), o STF não se mostra o órgão jurisdicional correto para cuidar da presente investigação”, afirmou.
Somente Mauro Cid, seu pai e o advogado Frederick Wassef falaram. Além do ex-presidente e de Michelle, ficaram em silêncio os assessores Marcelo Câmara e Osmar Crivelatti; e o advogado Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social de Bolsonaro.
Os investigadores marcaram todas as oitivas para o mesmo horário, na intenção de mitigar a possibilidade de criação de uma versão prévia e para pegar possíveis contradições entre os suspeitos.
A PGR se manifestou neste mês pelo envio do caso para Justiça de Guarulhos. Moraes, no entanto, não levou em conta a posição do órgão e autorizou os pedidos feitos pela PF de busca contra alguns investigados.
O parecer, apesar de assinado por Lindôra Araújo, até recentemente braço direto de Aras, repete as várias tentativas da PGR de encerrar o inquérito das milícias digitais.
“Tampouco parece razoável que, desconsiderando a ausência de investigado detentor de foro por prerrogativa de função, o conhecimento por medidas cautelares de natureza antecipatória tenha lugar nesta Suprema Corte, sem que disso não se vislumbre a assunção do risco de nulidade futura, por desrespeito a garantia do juízo natural”, afirmou Lindôra.
Com base em Lindôra, os advogados de Bolsonaro defendem a tese de que o caso deveria tramitar na primeira instância da Justiça, onde o caso das joias apreendidas pela Receita no aeroporto internacional de Guarulhos já era investigado.
“Considerando ser a PGR a destinatária final dos elementos de prova da fase inquisitorial para formação do juízo de convicção quanto a elementos suficientes ou não a lastrear eventual ação penal, Jair e Michelle, no pleno exercício de seus direitos e respeitando as garantias constitucionais que lhes são asseguradas, optam por adotar a prerrogativa do silêncio”, argumentaram, em petição aos investigadores, os advogados Daniel Tesser e Paulo Bueno.
Por sua vez, a manifestação do advogado de Marcelo Câmara, Eduardo Kuntz, diz que ele “está inteiramente à disposição para prestar os esclarecimentos adicionais, desde que o faça perante a d. autoridade com atribuição para tanto”, em outra referência ao parecer de Lindôra.
Lindôra também é personagem forte dos anos do bolsonarismo no poder. Próxima ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ela já deu pareceres favoráveis à família, além de ter sido figura central no desmonte da Operação Lava Jato.
Em 2021, por exemplo, manifestação assinada pela vice-procuradora-geral afirmou ao STF que não existiam elementos suficientes que justificasse uma abertura de investigação contra Bolsonaro nas irregularidades envolvendo pastores no Ministério da Educação.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a inclusão da investigação das joias no inquérito das milícias digitais no STF, sob relatoria de Alexandre de Moraes, gera questionamentos sobre a competência da corte na apuração.
No caso do inquérito das milícias, ele foi aberto após a PGR pedir o arquivamento da apuração instaurada em 2020 sobre os atos antidemocráticos. Moraes, irritado com Aras, driblou a Procuradoria, aceitou o arquivamento, mas usou o material coletado para abrir outra apuração.
O caso passou a receber todas as investigações contra Bolsonaro e seu grupo. Durante a eleição, foi utilizado como anteparo para as investidas golpistas do ex-presidente. Agora, é a principal frente contra o ex-presidente.
São cinco linhas de apuração no caso, segundo a PF: ataques virtuais a opositores, ataques às instituições e às urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, ataques às vacinas e medidas na pandemia e, por último, o uso de estruturas do Estado para obtenção de vantagens.
Somente entre fevereiro e dezembro de 2022, sob o governo Bolsonaro, a PGR de Aras se manifestou ao menos seis vezes pedindo o arquivamento da investigação porque as provas seriam ilegais, inconstitucionais e causariam constrangimento ilegal aos investigados.
Nos primeiros meses do governo Lula, enquanto Aras tenta a recondução, a PGR mudou de posição e chegou a apoiar algumas diligências no caso da fraude no cartão de vacinação.
Na ação das joias, que pela primeira vez colocou Bolsonaro na cena de um crime de suposto desvio de dinheiro público, Lindôra voltou a ser contra os pedidos da PF e se manifestou pelo envio à primeira instância.
Em sua manifestação, Lindôra atacou o fato de o inquérito abarcar várias frentes de investigação. Segundo ela, tampouco há pessoas com foro privilegiado para justificar a tramitação no STF.