STEFHANIE PIOVEZAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa australiana publicada na noite desta quarta-feira (6) no New England Journal of Medicine indica que um medicamento utilizado no tratamento de calvície e de artrite reumatoide pode retardar a progressão do diabetes tipo 1, doença autoimune que afeta quase 590 mil brasileiros.

O baricitinibe bloqueia duas enzimas que ajudam a transmitir sinais que regulam o sistema imunológico e inflamações e, no Brasil, é aprovado para pacientes com artrite reumatoide, dermatite atópica, quadro grave de Covid-19 e alopecia.

No estudo, cientistas do Instituto St Vincent, filiado à Universidade de Melbourne, descobriram que a ingestão diária de 4 mg de baricitinibe pode preservar a produção de insulina do próprio corpo quando o tratamento é iniciado até 100 dias após o diagnóstico da doença crônica.

No diabetes tipo 1, o sistema imunológico ataca e mata erroneamente as células do pâncreas que produzem insulina (células beta), levando à dependência de aplicações constantes do hormônio. Com o bloqueio das enzimas JAK 1 e JAK 2, as células do sistema imunológico se tornam incapazes de matar betas e estas continuam funcionais.

“Quando o diabetes tipo 1 é diagnosticado, ainda há a presença de um número substancial de células produtoras de insulina. Queríamos observar se poderíamos proteger essas células da destruição pelo sistema imunológico”, afirmou em nota o professor Thomas Kay, líder da pesquisa.

Não se trata da primeira proposta de tratamento capaz de bloquear parcialmente o ataque do sistema imunológico e preservar a função do pâncreas -o teplizumabe também tem essa capacidade-, mas é a única administrada em comprimido.

O estudo -um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo- monitorou os níveis de glicose no sangue e a produção de insulina dos participantes ao longo de 11 meses (48 semanas). Participaram da pesquisa 91 pacientes entre 10 e 30 anos de idade que foram atendidos em quatro hospitais australianos. Desses, 60 receberam baricitinibe e 31 placebo, e todos mantiveram a terapia com insulina durante o período.

Os pesquisadores verificaram que a variabilidade no nível de glicose foi menor e a porcentagem de tempo com nível de glicose dentro da faixa-alvo foi maior no grupo do baricitinibe, achados que coincidiram com uma diminuição na necessidade de terapia com insulina.

A dose média diária de insulina, seis meses após o início do estudo, foi menor do que a dose inicial no grupo que recebeu o medicamento, enquanto no grupo placebo ela foi maior. Ao fim das 48 semanas, a média diária de insulina era de 0,41 unidade/kg entre os voluntários que tomaram baricitinibe e 0,52 unidade/kg no grupo controle.

“Até agora, as pessoas com diabetes tipo 1 dependiam da insulina administrada por injeção ou bomba de infusão. Nosso ensaio mostrou que, se [a administração é] iniciada cedo o suficiente após o diagnóstico e enquanto os participantes tomam a medicação, a produção de insulina é mantida”, acrescentou Kay.

Apesar dos resultados, há limitações. Muitos pacientes recebem o diagnóstico quando as células beta já sofreram danos irreversíveis, então ainda não é possível pensar em um tratamento que dispense a administração de insulina.

Além disso, é preciso realizar um novo ensaio com mais participantes e avaliar como o organismo se comporta em períodos superiores a um ano. Nas outras doenças tratadas com inibidores de JAK, há recaída gradual após a interrupção do tratamento.