SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), manifestou na quarta-feira (6) ao Supremo Tribunal Federal a intenção de fazer um acordo de delação premiada, que pode afetar o ex-presidente e pessoas de seu entorno.
Cid está preso de maneira preventiva desde maio por supostamente ter inserido dados falsos em cartões de vacinação, incluindo os de Bolsonaro e sua filha. Ele também é investigado pelo vazamento de dados sigilosos sobre a urna eletrônica e por relação nos ataques golpistas do 8 de janeiro.
A situação do tenente-coronel se agravou em agosto, quando uma operação da Polícia Federal trouxe novos detalhes sobre a participação dele e do pai dele (o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid) na venda de joias presenteadas ao governo brasileiro e desviadas do acervo presidencial.
A proposta de delação de Cid foi feita no gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, e, segundo o site G1, a polícia já aceitou firmar o acordo. A defesa de Cid pediu a liberdade provisória durante o encontro.
Caso sua delação seja homologada pelo STF, ele poderá ter pena reduzida ou negociar outras vantagens.
O acordo precisa contemplar uma série de exigências até a homologação do Supremo, quando a delação passa a ter efeito. Veja o roteiro da delação premiada:
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DECLARAÇÃO A INSTITUIÇÕES DE CONTROLE
O colaborador, neste caso Mauro Cid, decide confirmar a culpa e apontar outras pessoas ligadas ao crime, a fim de obter benefícios, como redução da pena. O acordo, inicialmente, precisa passar pela Polícia Federal caso de Cid ou pelo Ministério Público Federal.
Para efetuar o acordo de colaboração, é preciso assinar um termo de confidencialidade.
A delação sempre pressupõe a indicação de outros possíveis criminosos. “A premissa de uma delação, que a difere de uma confissão, é que, além de declarar a culpa, o colaborador aponta para a cadeia criminosa do caso investigado ou de outros crimes, os participantes, coautores e mandantes”, diz o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron.
RODADAS DE DEPOIMENTOS
A autoridade se reúne com o colaborador para coletar depoimentos, que servem para avaliar se os elementos trazidos serão suficientes para selar um acordo.
A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente, nem mesmo para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.
O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e demais dados que ajudem a comprovar seu testemunho. A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso.
PF E MPF AVALIAM COLABORAÇÃO
A terceira etapa é a decisão institucional sobre a utilidade das declarações do colaborador. De acordo com a Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, cabe à PF ou ao MPF avaliar se há interesse no acordo a partir do testemunho e das provas apresentadas.
Caso haja interesse, o caso é formalizado e avança. Caso não haja, as informações prestadas não poderão ser usadas em hipótese alguma na investigação. Em relação a Cid, a participação é da polícia.
Segundo o advogado criminalista Bruno Salles, o MPF sempre contestou se a polícia teria essa capacidade, mas desde 2018 a PF tem autonomia para celebrar esses acordos, conforme decisão do STF. “No limite, quem irá propor a ação penal ao fim do processo é o MPF, que usa os elementos de prova”, diz.
NEGOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS
Paralelo a isso, as autoridades negociam benefícios ao colaborador. A Lei 12.850 determina como possíveis vantagens a diminuição da pena em dois terços ou até pela imunidade.
Durante a Lava Jato, a força-tarefa de Curitiba passou a fazer as chamadas sanções atípicas, que são negociações que extrapolam as duas definidas em lei. O Pacote Anticrime vetou essas sanções, tais como prisão domiciliar, mas no ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou em ação que elas podem ser aplicadas, de acordo com Salles.
As ações penais atípicas preveem mais flexibilidade no tempo de prisão e diferenciações para o regime de cumprimento da pena, que pode se tornar mais branda e vantajosa ao colaborador.
“Quanto maior, mais importante for a delação do ponto de vista do desvendamento do crime, maior é a redução da pena, até chegar no limite da imunidade penal”, afirma Toron.
Definida a vantagem e a multa indenizatória à União, o caso vai para a homologação.
HOMOLOGAÇÃO
Sem considerar o mérito da delação seu conteúdo, o juiz decide se o caso cumpre os requisitos legais.
“Na homologação, a autoridade judicial não faz juízo de valor, não define se a prova é boa ou não. O juiz simplesmente verifica se a colaboração cumpre os requisitos legais. Se tudo estiver de acordo com a lei, ele homologa a colaboração e, só a partir daí, ela tem efeito”, diz Helena Regina Lobo da Costa, professora de direito penal da USP.
Na Lava Jato, nas situações que envolviam autoridades com foro especial, a homologação ocorreu diretamente no Supremo. No caso de Cid, hoje preso por ordem da corte, a proposta foi apresentada ao gabinete de Alexandre de Moraes.
Após a homologação, a autoridade fatia o caso em diferentes instâncias e localidades para investigação. A polícia investiga a cadeia criminosa e o MPF, ao fim, pode propor denúncias contra os investigados, arquivar o caso ou pedir novas investigações.