O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta sexta-feira (9) das celebrações do Dia da Vitória, em Moscou, a convite do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Em meio a tanques, mísseis e caças sobrevoando a Praça Vermelha, Lula dividiu espaço com líderes de nações majoritariamente alinhadas ao Kremlin, como China, Belarus, Cuba e Venezuela. Sua presença, uma das poucas de um governante de uma democracia ocidental, tem sido alvo de críticas dentro e fora do Brasil.
A visita acontece em um momento delicado: a guerra na Ucrânia segue sem trégua, e a participação de Lula em uma cerimônia repleta de simbolismos militares tem sido interpretada por muitos como um gesto diplomático que suaviza a imagem internacional de Putin. A cerimônia marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e foi utilizada, mais uma vez, pelo líder russo para reforçar o discurso nacionalista e exibir o arsenal de seu Exército — um gesto que adquire novo peso diante do prolongado conflito com Kiev.
Após o desfile, Lula participou de um almoço reservado com outros chefes de Estado e teve uma reunião particular com Putin no Kremlin. Na pauta, temas espinhosos como a guerra na Ucrânia, a proposta de paz sino-brasileira e as relações comerciais entre os dois países. O Brasil, que registrou um volume recorde de US$ 12,4 bilhões em trocas com a Rússia em 2024, tem forte dependência da importação de fertilizantes e combustíveis russos — e busca melhorar seu saldo comercial negativo, hoje em torno de US$ 9,5 bilhões.
Irritação em Kiev e tensões diplomáticas
A visita de Lula a Moscou gerou desconforto em autoridades ucranianas. O presidente Volodymyr Zelenski, que tentou trazer Lula a Kiev no ano passado, viu os esforços frustrados e chegou a descartar publicamente o papel do Brasil como mediador. A relação, que já estava estremecida, pode se deteriorar ainda mais com a visita do petista à Rússia.
Kiev mantém operações militares, inclusive com drones, em meio às festividades russas. O espaço aéreo de Moscou chegou a ser temporariamente fechado por questões de segurança, afetando cerca de 60 mil passageiros. A Ucrânia também classificou como “encenação” o cessar-fogo de três dias anunciado unilateralmente por Putin, que coincide com o evento.
Proposta de paz divide opiniões
Durante a reunião com Putin, Lula deve retomar a proposta de cessar-fogo liderada por Brasil e China. Embora tenha sido bem recebida por Moscou, a sugestão foi rejeitada por Kiev e vista com ceticismo no Ocidente por não exigir a retirada imediata das tropas russas. Mesmo com apoio declarado de cerca de uma dúzia de países, a iniciativa não ganhou tração significativa no cenário diplomático internacional.
Paralelos e interesses políticos
Além de Putin, Lula se encontrou com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, e compartilhou espaços com líderes autoritários como Nicolás Maduro, de Venezuela, e Miguel Díaz-Canel, de Cuba. Ele também assistiu ao desfile ao lado da primeira-dama, Janja, e foi recebido no Palácio do Senado, no Kremlin, para um banquete oferecido por Putin.
A ex-presidente Dilma Rousseff, que preside o banco do Brics (NDB), também está em Moscou. Seu mandato à frente da instituição foi renovado em articulação com o governo russo, embora sanções internacionais tenham impedido a indicação de um sucessor russo. O Brasil, que este ano preside o Brics, prepara uma cúpula de líderes para julho no Rio de Janeiro — mas a presença de Putin é improvável, já que ele é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional.
Rumo à China
Após os compromissos em Moscou, Lula segue neste sábado (10) para Pequim, onde deve continuar as discussões sobre comércio, clima e geopolítica. A visita à Rússia, no entanto, já deixa suas marcas — tanto nas relações com o Ocidente quanto nas percepções internas sobre a diplomacia brasileira.