(FOLHAPRESS) – Durante os seus primeiros 30 minutos, o filme “Broken Rage” engana o espectador na base da frustração. A trama é simples até demais, mostrando um matador de aluguel que, pego pela polícia, obtém sua liberdade em uma operação para prender um chefão da máfia.

A encenação é tão elementar que, por um momento, se duvida da sanidade de Takeshi Kitano, diretor veterano e protagonista do longa. Tudo na tela é sóbrio, filmado de maneira um tanto genérica, e a história não carrega lá muita tensão. A exceção é uma cena de assassinato em uma sauna, que se alonga em uma câmera lenta filmada por cima dos atores.

O que o espectador mais apressado não pega neste momento é que a narrativa faz parte de uma jogada maior do filme. Ao fim destes primeiros minutos, a trama do assassino termina e, logo em seguida, recomeça. Um letreiro informa na transição que o filme voltará à estaca zero, agora em sua versão “spin off”, ou derivada.

Este “spin off” misterioso, no caso, é uma sucessão de patetadas na trama, que de repente vira uma comédia bem engraçada. A situação começa com a própria câmera, que despenca na hora de sobrevoar a cidade do filme.

Depois, o tal matador repete sua entrada triunfante, mas aos tropeços -primeiro em uma escadinha, depois ao sentar em uma cadeira quebrada no restaurante onde recebe as suas missões.

“Broken Rage” daí em diante vira uma experiência quase surreal, de tanto que embarca no humor. É como se cada momento, cada cena, cada plano filmado virasse uma oportunidade de piada, com graus cada vez maiores de esculacho. Tem até piada envolvendo rede social, prevendo as reações do público.

No momento mais surtado dessa segunda parte, o interrogatório dos policiais praticamente se torna algo saído de um desenho animado. A cena tem preso amarrado de cabo a rabo por cordas, gente mascarada e até tortura com gente espreguiçada em uma cama de pregos.

Lançado no último Festival de Veneza, o filme é descrito por Kitano como um experimento de estilo. Essa definição, diante do díptico de violência séria e humor absurdo da obra, funciona na prática como uma compactação da carreira do diretor.

Takeshi Kitano subiu à fama nos anos 1970 como comediante, com o nome Beat Takeshi, e depois na TV, como apresentador e produtor de todo tipo de programa de variedades.

Ele estreou na direção de cinema apenas nos anos 1990, fazendo o seu nome nos festivais como cineasta de obras violentas, mas também de muita sutileza -uma reputação bem o oposto da figura televisiva escrachada e cheia de caretas.

“Broken Rage”, assim, reúne as duas metades da laranja artística de seu realizador. Mas o filme ainda põe em primeiro plano esse lado cômico que, sendo justo, ele já explorou em longas como “Getting Any?”, de 1994. Mesmo as suas famosas histórias sobre a yakuza tem pinceladas do seu bom humor, como “Adrenalina Máxima”, de 1993, e “Ryuzo e seus Sete Capangas”, de 2015.

Por isso mesmo que este novo trabalho soa tão especial. Com quase 80 anos, Takeshi Kitano dedica um filme de pouco menos de 70 minutos ao valor da comédia como narrativa.

Uma defesa sincera, que renova o espírito do humor -e as risadas do público- a cada novo tropeço do matador de aluguel.

BROKEN RAGE

Avaliação Muito bom

Onde Disponível no Prime Video (somente legendas em inglês)

Classificação 16 anos

Elenco Takeshi Kitano, Tadanobu Asano, Nao Omori

Produção Japão, 2024

Direção Takeshi Kitano