BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério do Planejamento e Orçamento recomendou veto integral ao projeto de renegociação da dívida dos estados, segundo documentos obtidos pela Folha de S.Paulo via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Uma das razões apontadas foi o “momento de piora na percepção de risco fiscal”, que poderia se agravar pela renúncia de receitas financeiras decorrente do novo programa de socorro. Sem esses recursos, a União pode ser obrigada a captar mais recursos no mercado para honrar seus próprios compromissos com investidores.

A indicação foi dada antes mesmo de a pasta, comandada por Simone Tebet, ter acesso às estimativas de impacto elaboradas pelo Tesouro Nacional. Como revelou a Folha de S.Paulo, os cálculos apontam o risco de uma perda de até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048.

A recomendação do Planejamento foi ignorada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que sancionou a proposta com vetos parciais, respaldado pelo Ministério da Fazenda -em mais um episódio de atuações divergentes das duas pastas. Até mesmo dispositivos que podem impactar a meta fiscal do governo foram validados para evitar um desgaste político com a cúpula do Congresso Nacional.

O principal patrocinador do projeto foi o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Seu sucessor no cargo, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também participou das negociações para a sanção da lei.

Para o Planejamento, havia três motivos para o veto integral do texto: a ausência de estimativas de impacto no momento da aprovação do projeto pelo Legislativo, a redução de receitas da União e o momento de piora na percepção de risco fiscal. Nos dois últimos, a pasta viu contrariedade ao interesse público. No primeiro, o órgão apontou potencial violação à Constituição.

O posicionamento foi assinado pelo secretário-executivo, Gustavo Guimarães, que na ocasião atuava como ministro substituto durante as férias de Tebet. Seu parecer foi respaldado pelo pronunciamento de áreas técnicas da SOF (Secretaria de Orçamento Federal), da Secretaria-Executiva e da consultoria jurídica do ministério.

Os técnicos ponderaram que alguns dos vícios originais do projeto poderiam ser contornados caso o governo elaborasse as estimativas de impacto como etapa prévia à sanção –o que foi feito pelo Tesouro Nacional.

Ainda assim, os documentos expõem um posicionamento duro do órgão em relação aos potenciais impactos do Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados) sobre as contas públicas.

“Em vez de incentivar ajustes estruturais e promover o equilíbrio fiscal, o programa reforça a cultura de dependência dos estados em relação à ajuda federal para equilibrar suas contas”, disse nota informativa elaborada pela assessoria legislativa da Secretaria-Executiva.

“Esse tipo de renegociação das dívidas estaduais cria um viés de risco moral que se consolida no ciclo vicioso: os estados continuam gastando irresponsavelmente; os estados esperam novas negociações; a União acaba absorvendo os prejuízos, aumentando sua própria dívida pública”, afirmou em outro trecho.

A flexibilização de regras para esses entes também poderia, na visão do órgão, emitir uma sinalização negativa para o mercado, com consequente impacto negativo em indicadores financeiros, como taxa de juros e câmbio.

No documento, os técnicos ainda ressaltaram que, embora a proposta não tenha impacto primário imediato, ela oferece “diversos riscos fiscais” ao incentivar estados a ampliarem despesas, revertendo a trajetória recente de recuperação de suas contas.

“Essa potencial piora tende a pressionar o governo federal nos exercícios futuros a gerar resultados primários em montantes maiores, haja vista a percepção generalizada de ser o único responsável para garantia da solvência fiscal do setor público, em um sinal de agravamento da sinalização de consolidação fiscal da política econômica”, disse o texto.

Além disso, o Planejamento afirmou que há risco de a União ser forçada a uma nova negociação de débitos no futuro, quando terminar o prazo para incremento gradual das prestações para estados mais endividados e que hoje estão no RRF (Regime de Recuperação Fiscal). As áreas técnicas recomendaram veto específico a este dispositivo, que acabou sendo sancionado.

Segundo relatos colhidos pela reportagem, a posição dura do Planejamento gerou incômodo nas demais áreas do governo, que trabalharam pela sanção do projeto, concebido após o próprio Ministério da Fazenda capitanear uma iniciativa para renegociar os débitos dos estados –batizada inicialmente de “Juros por Educação”.

A intenção da pasta de Fernando Haddad era reduzir os encargos da dívida em troca de um firme compromisso dos governadores com maiores investimentos no ensino técnico. O próprio ministro reconheceu, depois, que as modificações feitas pelo Congresso desviaram a proposta de seu foco inicial e ampliaram os benefícios.

Ainda assim, havia uma avaliação nos bastidores de que o Executivo precisava evitar atritos com o Legislativo. A saída passava por encontrar um meio-termo na sanção do projeto.

Em suas manifestações oficiais, as áreas técnicas do Tesouro Nacional recomendaram vetos parciais a dispositivos que teriam impacto negativo sobre a meta de resultado primário.

O Planejamento, que chegou a participar das discussões iniciais sobre a sanção, ficou de fora das articulações derradeiras após explicitar seu posicionamento mais duro sobre o tema.