PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Seis dias por semana, por volta das 20h, a brasileira Luiza Barbosa faz números de pole dance num restaurante colado ao parque Ritan, do Templo do Sol, entre os prédios imponentes do distrito financeiro e a praça Tiananmen, em Pequim.

Quando a música ao vivo para e ela começa a apresentação, meninas chinesas de 8 ou 9 anos e suas mães correm para cercar o palco, animadas e armadas com seus celulares. “É uma coisa mais família”, diz a dançarina. “Os chineses não veem pole dance como algo imoral, que é como o brasileiro vê. Só me tratam como artista e ponto.”

Ela atribui a diferença de comportamento à educação artística no país. Isso faz com que os chineses cresçam “desde criança com uma outra mentalidade”, afirma.

Luiza completou seis meses vivendo na capital chinesa no final do ano passado. Desembarcou lá no final de junho, duas semanas antes de fazer 25 anos. “Já foi um baque”, diz. Ela é de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Cresceu em um Centro de Tradições Gaúchas fundado por seus avós. Dançava peão e prenda e chula.

Fez licenciatura em dança na Universidade Federal de Santa Maria (UFRS) e iniciou um mestrado em história sobre o papel da mulher na dança tradicional gaúcha, segundo ela “muito machista”. “O homem é protagonista, a mulher está ali só para aplaudir.”

Na faculdade, também fez dança contemporânea e conheceu “um mundo”, diz. “Se não tivesse entrado, não seria nem metade do que sou. Tudo o que penso da vida, de arte, do mundo.” Ela conta que descobriu o pole dance em uma academia durante a pandemia. “Falei: ‘Nossa, preciso continuar fazendo isso’. Comprei uma barra e comecei a treinar em casa.”

Deixou o mestrado e depois a casa dos pais pelo Bahrein, onde já morava uma amiga da faculdade. Ficou seis meses num resort. “Uma aventura. A gente fazia show de tocha de fogo, bambolê com fogo.”

Voltou para Santa Maria após juntar algum dinheiro e montou uma sala para dar aulas de pole. “Eu tinha alunas, mas ainda tinha que pedir dinheiro para a minha mãe.” Foi quando viu o anúncio de vaga para pole dance no perfil da agência A’Meta da Arte, que traz artistas brasileiros para toda China, no Instagram. “E vim parar aqui.”

O restaurante Mango, onde ela se apresenta, é uma miscelânea Brics. Um dos shows é de um casal de russos que canta em diversas línguas, inclusive português. Uma das músicas, que eles leem com domínio e risos, é “Ai, Se Eu Te Pego”, de Michel Teló.

Um grupo de dançarinas cubanas que recentemente ganhou duas cariocas e uma mato-grossense faz quadros à parte. Num deles, elas se vestem de passistas de escola de samba; noutro, como jovens alemãs.

Na barra, Luiza faz alguns números sozinha e outros em parceria com uma pole dancer russa, Ekaterina, mais experiente e pouco amigável, com quem acumula conflitos. Em parte por causa disso, na apresentação deste Ano Novo, a brasileira apresentou uma nova coreografia, acompanhada de duas cubanas que pouco conhecem de pole dance. “Nunca vi tão lotado, foi bem legal”, conta.

Perto da 0h, nos fins de semana, o restaurante dá lugar a uma balada. As famílias chinesas saem e entra um sem-número de jovens africanos, que dançam até madrugada, guiados pelo DJ Spirit, do Gabão.

O espaço fica próximo a embaixadas e hotéis frequentados por estrangeiros, inclusive aquele usado por autoridades como o presidente Lula (PT) e a ex-presidente Dilma Rousseff.

Luiza divide um apartamento com o casal de cantores russos. “Estou morando bem, é só atravessar a rua. É bem tranquilo. Só eu e meus pensamentos em português.” Ela se comunica geralmente em inglês, mas “é bem confuso”, esclarece.

A dançarina conta que precisou de tempo para se aproximar das cubanas. “Porque elas também são latinas, achei que me acolheriam, mas foi diferente.” A situação melhorou bastante depois da chegada das três colegas brasileiras. “Parece que é outro trabalho”, afirma.

Uma de suas dificuldades foi que o gerente do restaurante pediu desde o início que ela dançasse números de samba. “Nunca dancei samba na vida. Mas tem que fazer a brasileira. Como pode, brasileira não sabe dançar samba? Então estou fazendo o que posso.” Na virada do ano, seguia com dificuldade num novo quadro de samba, ao lado das cubanas e brasileiras.

Mesmo o pole dance é mais desafiador no local. “A barra é imensa. E ela gira. É pole dance aéreo. Às vezes fico pensando, meu Deus, como é que estou fazendo isso?”

Na primeira entrevista que ela deu à reportagem, Luiza se emocionou ao lembrar da mãe e do ex-namorado, um rapper que continuava no Brasil e com quem havia acabado de terminar. “Ele lançou um EP que é sobre a gente, sobre relação à distância, que a gente nunca quis”, diz. “Ninguém vai vir, vou ficar só”, acrescentou depois, sobre o longo inverno.

Ensaiando quando não está se apresentando, ela ainda não tinha viajado pela China e mal conhecia Pequim até o início deste ano. Em dezembro, “acordava para o ensaio, voltava, ia trabalhar e dormia”, relatou.

Numa de suas segundas de folga, nestes seis meses, visitou o parque da Universal, atração hollywoodiana da capital chinesa, com a terra do Kung Fu Panda e o castelo de Hogwarts. Também foi ao zoológico e viu pandas e leões. “Nem deu tempo de olhar tudo, é grande demais.”

Embora mais ambientada, diz não querer ficar além do contrato de um ano. Conta que conseguiu poupar dinheiro e que sua mãe falou em abrir um restaurante como o de Pequim ao seu lado. Mas ela tem dúvidas.

“Talvez eu precise, tipo, trabalhar em outros lugares do mundo para juntar mais dinheiro, abrir uma escola ou algo parecido”, diz. “Algum lugar em que só faça calor, porque aqui está difícil. Talvez a Tailândia.”