SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio à seca de IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), o Brasil vive uma onda no sentido contrário: ao menos seis empresas devem deixar a Bolsa de Valores neste ano via OPA (oferta pública de aquisição de ações), projetam analistas do mercado.

Nenhuma nova entrada é esperada. Este será o quarto ano seguido em que o número de empresas listadas na B3 encolhe.

Segundo especialistas, há uma conjunção de fatores que propiciam o fechamento de capital de empresas listadas. O principal deles é a desvalorização do mercado de ações. Em 2024, o Ibovespa recuou 10,4% e, neste ano, até agora, sobe 1,87%.

“Há dois anos, o mercado de capitais anda de lado e com pouca liquidez. No ano que vem, como qualquer ano eleitoral, será tipicamente ruim. Sem liquidez e com preço baixo das ações, o motivo de ser listado em Bolsa deixa de existir”, diz André Moor, diretor do Bradesco BBI.

As empresas abrem seu capital em Bolsa de Valores como uma maneira de se financiar. Ao vender suas ações a investidores, parte do dinheiro vai para o caixa da companhia e vira investimento, que, por sua vez, fomenta o crescimento da empresa. O lucro é redistribuído aos acionistas, que são remunerados pelo seu investimento inicial via dividendos e crescimento do negócio, com a valorização de suas ações.

Nos ciclos de queda da Selic, o Brasil teve saltos na abertura de capital. Em 2007, foram 64 IPOs, enquanto a taxa de juros havia saído de 19,75% para 11,25%. Em 2021, quando a Selic iniciou o ano na mínima histórica de 2%, foram mais 45 listagens.

Desde 2004, há 147 cancelamentos de registro processados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). No mesmo intervalo, a B3 teve 245 IPOs. O mais recente deles foi em 2021, da empresa de fertilizantes Vittia.

Na última década, essa diferença se reduziu. De 2015 a 2024, foram 94 IPOs e 62 OPAs –essa soma não considera OPAs de aumento de participação, alienação de controle ou fusões.

Em momentos de juro alto, no entanto, investidores dão preferência a ativos de renda fixa. Além disso, as taxas mais altas pesam no custo das empresas e pressionam o lucro. Com a queda no valor das ações, muitas delas acabam com um valor de mercado abaixo da sua precificação real, considerando seu patrimônio e projeção de resultados. Assim, o momento fica favorável para que a empresa, ou um comprador externo, adquira todos os papéis disponíveis no mercado e feche o capital.

“Se o investidor tem apetite, há bons ativos com preço defasado”, diz Amir Bocayuva, socio gestor do BMA Advogados.

Segundo Bocayuva, diversos fundos de private equity estão estudando fazer a aquisição dessas companhias e fechar o capital, numa operação inversa ao que costumam fazer. Geralmente, esses fundos de investimento fazem aportes em empresas em fase de crescimento e efetivam seu lucro quando a companhia entra na Bolsa.

“Para o Brasil, essa não é uma notícia boa porque é um encolhimento do mercado de capitais. Para ele se recuperar, depende de uma queda de juros, que está difícil”, diz Bocayuva.

Com o capital fechado, a empresa não precisa, necessariamente, seguir padrões de governança elevados e cumprir com diversas regras de mercado, como a divulgação periódica de informações financeiras e a comunicação de qualquer movimento relevante. Há ainda mais flexibilidade na gestão do negócio, sem ter de prestar contas, ou ter a aprovação de demais acionistas.

“Muitas empresas estão fazendo a conta para ver se vale a pena fechar capital. É um processo caro e demorado”, diz Moor, do BBI.

Segundo o executivo, mais de 20 companhias consideram fechar o capital nos próximos meses. O número de OPAs, no entanto, deve ser bem menor, dado o alto custo do processo. Se a empresa, ou o seu comprador, não tiver o dinheiro equivalente ao valor de mercado da companhia, será preciso um financiamento a altos juros, dada a perspectiva de que a Selic vá dos atuais 13,25% para 15% no fim do ano.

Para controladores de outros países, há uma outra vantagem: a desvalorização do real, o que deixa a operação ainda mais atrativa. O Carrefour é uma das multinacionais que irão fechar o capital no Brasil, concentrando o seu acesso ao mercado de capitais pela matriz francesa.

“É um tema que temos discutido com muitos de nossos clientes. O interesse no assunto mudou de maneira substancial. Parte pelo ambiente econômico, parte pela flexibilização na norma de OPAs que entra em vigor em julho”, diz Vanessa Fiusa, socia de mercado de capitais do Mattos Filho.

Dois terços dos acionistas precisam aprovar o fechamento de capital. No entanto, com a regra atual, não é possível acordar esse aceite previamente, antes de a empresa lançar a OPA. Se os acionistas interessados em vender sua parte firmassem compromisso prévio, a CVM os poderia considerar como vinculados à companhia e não computá-los na soma dos dois terços de aprovação.

Com a nova norma, será possível ter maior clareza da adesão à OPA, já que acionistas poderão assinar um compromisso de alienação anteriormente.

A mudança nas regras da CVM para OPAs deve simplificar o processo, deixando-o semelhante ao dos Estados Unidos. Dessa forma, seria possível um investidor comprar uma empresa listada da B3 e fechar o seu capital da mesma forma em que Elon Musk adquiriu o Twitter e o transformou em X.

“Essas mudanças vão permitir transações sem travas de preços para quem quiser comprar uma empresa, com o mercado se autorregulando”, afirma Vanessa.

Já há uma OPA em andamento neste ano: a deslistagem da rede hospitalar Kora Saúde pelo seu controlador, HIG Capital, que deve estar concluída em 20 de março.

O fundo de private equity alega que a regulamentação do segmento de Novo Mercado, na qual é listado na B3, inibe algumas formas de financiamento, como a emissão de ações preferenciais e fusões com empresas que não estejam listadas no mesmo segmento, para que a empresa reduza o seu endividamento.