ITALO NOGUEIRA E JOÃO PEDRO PITOMBO
RIO DE JANEIRO, RJ, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Os principais Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos estaduais vincularam de forma inconstitucional os reajustes salariais de seus membros com o aumento dos vencimentos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Juízes e promotores de ao menos 16 estados receberam em abril reajuste de 6% sem o envio de projeto de lei para as respectivas Assembleias Legislativas. O percentual acompanha o aumento nos salários dos ministros do STF aprovado pelo Congresso e aplicado no mesmo mês.
Ao menos desde 2020, o STF considera inconstitucional o “reajuste automático” nos estados a partir do aumento para ministros da corte ou de outras autoridades federais.
Os tribunais e Promotorias que adotaram a prática usaram como justificativa decisões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que a autorizam.
Após questionamento da Folha de S.Paulo, a ministra Rosa Weber, presidente do STF e do CNJ, suspendeu na terça-feira (27) a resolução que previa a norma.
Dos 5 tribunais considerados de grande porte pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 4 (SP, RJ, MG e PR) fizeram o reajuste sem envio de projeto de lei para a Assembleia Legislativa, prática acompanhada pelos Ministérios Públicos dos mesmos estados. O aumento foi formalizado por meio de portarias e resoluções internas.
Neste grupo, apenas no Rio Grande do Sul houve respeito ao entendimento do Supremo. Os projetos de lei enviados pelo TJ e Promotoria para o reajuste continham um artigo no qual tornavam regra a vinculação salarial. Contudo, emendas da Assembleia retiraram esse texto das leis aprovadas.
O aumento sancionado pelo presidente Lula em janeiro elevou o salário dos ministros do STF de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil em abril. A lei federal prevê um reajuste escalonado até 2025, quando o subsídio chegará a R$ 46,4 mil (alta de 18%, no total).
O último reajuste salarial feito a ministros do STF aconteceu em 2015. Desde então, a inflação acumulada foi de 44,5%, segundo o Banco Central.
Os desembargadores e procuradores estaduais podem, pela Constituição, receber até 90,25% dos salários dos ministros do STF. Desta forma, o teto para os vencimentos dessas categorias subiu de R$ 35,5 mil para R$ 37,6 mil. Caso acompanhe o reajuste escalonado definido pela lei federal, chegará a R$ 41,8 mil em 2025.
A Procuradoria-Geral da República ofereceu desde 2020 um total de 27 ações para anular leis estaduais que estabelecem reajustes automáticos vinculados, entre outros gatilhos, a aumentos dos ministros do STF.
A primeira decisão sobre o tema foi dada em novembro de 2020. Os ministros consideraram inconstitucional a vinculação do reajuste salarial de procuradores da Assembleia Legislativa de Mato Grosso ao mesmo percentual dado aos membros do STF.
A corte também apontou irregularidades em gatilhos semelhantes dados aos vencimentos de deputados estaduais de Sergipe, procuradores de Roraima e membros do Ministério Público em Rondônia.
Em junho deste ano, o STF analisou os mesmos gatilhos criados por leis aprovadas no Tocantins que beneficiavam membros do MP-TO e do TJ-TO. O voto do ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso, deixa clara a inconstitucionalidade da vinculação.
“Não se justifica que o ente regional delegue à lei federal, que estabelece a remuneração do ministro do STF, a função de, por via oblíqua, determinar o valor dos subsídios dos desembargadores ou juízes”, escreveu Barroso em seu voto, aprovado por unanimidade do plenário neste ponto.
Além de declarar a lei estadual inconstitucional, o plenário do STF decidiu por maioria (8 a 2) fixar tese de julgamento. A medida obriga que todos os tribunais do país adotem automaticamente a mesma interpretação sobre o tema.
Liminares concedidas por membros do CNJ e do CNMP em 2014 e 2015 mantiveram o “reajuste automático” ao longo dos anos. No dia 23 de maio deste ano, o CNJ concluiu o julgamento e decidiu incluir o gatilho numa resolução de 2006 que trata do teto remuneratório para magistrados.
Na sessão, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello votou contra a alteração da resolução.
“Isso tem impacto no orçamento estadual, precisa ter um planejamento por parte do governador e um referendo pela Assembleia Legislativa. Não me parece razoável o Congresso Nacional, ao alterar os subsídios dos ministros do Supremo, impactar as contas dos mais diversos estados da federação”, afirmou o conselheiro.
O julgamento que definiu a inclusão do gatilho na resolução do CNJ ocorreu quatro dias depois que o STF fixou a tese de julgamento contra o “reajuste automático”.
A presidente do STF e do CNJ, ministra Rosa Weber, votou de forma distinta nas duas oportunidades. No Supremo, concordou com Barroso ao declarar a inconstitucionalidade da lei do Tocantins. No Conselho, acompanhou a maioria para aprovar a inclusão do reajuste automático na resolução.
Entre os estados que concederam o reajuste automático estão Rio de Janeiro e Goiás. Ambos aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal, legislação de 2017 que auxilia estados que enfrentam grave desequilíbrio fiscal. O Tribunal de Justiça e o Ministério Público de Minas Gerais, que pleiteou o ingresso no programa, também adotaram a prática.
O Regime de Recuperação Fiscal não veda recomposições limitadas à inflação. Mas exige a aprovação de lei específica, como previsto na Constituição. O envio do projeto de lei pode ter repercussões políticas, já que outros servidores também pleiteiam junto aos deputados o reajuste.
TRIBUNAIS E PROMOTORIAS CITAM LEIS ESTADUAIS, DECISÕES DO CNJ E CNMP
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), autores dos pedidos de reajuste automático no CNJ e no CNMP, respectivamente, não responderam aos questionamentos da reportagem.
O TJ-SP afirmou, em nota, que o reajuste dos magistrados no estado é automático, “não dependendo de lei estadual específica”. O tribunal citou a lei estadual 1.031/2007, cujo teor é semelhante ao do Tocantins, considerado inconstitucional pelo STF.
“O julgamento referido [sobre as leis de Tocantins] ainda não transitou em julgado, visto que opostos embargos de declaração. Além disso, diz respeito especificamente à lei impugnada na ação direta de inconstitucionalidade mencionada (do estado de Tocantins), não estendendo seus efeitos, mesmo que venha a transitar em julgado, para outras leis estaduais”, diz a nota do TJ-SP.
Posicionamento semelhante foi dado pelo TJ-PR e MP-PR, que mencionaram leis estaduais que preveem o gatilho.
Os TJs do RJ, BA, PE, MG, GO, RN, MT, MS e ES afirmaram que adotaram entendimento aprovado pelo CNJ.
O tribunal mineiro ressaltou que a decisão do Supremo sobre as leis de Tocantins “não trata da situação fática deste tribunal”. Os TJs de PE, GO e MS citaram a legislações estaduais que disciplinam a forma de remuneração dos magistrados.
As Promotorias de MG, BA, PE, SC, GO e ES afirmaram estar de acordo com decisões do CNMP. Os TJs do AC e do MA também mencionaram o Código de Organização Judiciária. O MP de Mato Grosso citou lei estadual de 2016 que prevê a recomposição automática.
Os Tribunais de Justiça e Promotorias dos demais estados não responderam.
Por meio da assessoria de imprensa do STF, Rosa Weber disse que o julgamento no CNJ analisava a questão no aspecto administrativo e, no Supremo, no âmbito constitucional. Ela declarou que por considerar o tema constitucional mais relevante, decidiu suspender a resolução do Conselho.
LISTA DOS TRIBUNAIS E MINISTÉRIOS PÚBLICOS QUE NÃO ENVIARAM PROJETO DE LEI PARA REAJUSTE
Tribunais de Justiça
São Paulo
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Paraná
Bahia
Santa Catarina
Goiás
Pernambuco
Maranhão
Espírito Santo
Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Rio Grande do Norte
Amapá
Tocantins
Acre
Roraima
Ministérios Públicos
São Paulo
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Paraná
Bahia
Santa Catarina
Goiás
Pernambuco
Mato Grosso
Espírito Santo
Tocantins
Acre