BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – As músicas do carimbó, ritmo tradicional do Pará, falam sobre o cotidiano dos ribeirinhos –o que vai de assuntos como amor, folclore, religião e comida à relação com o território. “Se por fora, eu pareço gente/ Por dentro, eu sou natureza”, diz a música “Eu Venho de Longe”, cantada pelo grupo Carimbó Cobra Venenosa.

A multiartista do grupo, Priscila Cobra, diz que prefere esse caminho para falar sobre a crise climática do que uma militância mais direta. “O carimbó canta os passarinhos, as árvores, a maré. Se você disser para alguém não jogar lixo de forma proibitiva, talvez ela nem ligue, mas se sentir o quanto a natureza é bonita e valiosa, provavelmente vai compreender que, por fora, é gente, mas por dentro é natureza”, afirma.

Cobra foi uma das curadoras do Fórum de Arte pela Justiça Climática, que aconteceu da última segunda (16) até este sábado (21) em Belém, com patrocínio do Prince Claus Fund e da Open Society Foundations. O evento levou artistas de 20 países em desenvolvimento para um barracão de mestres do carimbó –como parte de um intercâmbio de práticas artísticas que denunciam a injustiça socioambiental.

Com a COP30, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, marcada para acontecer em Belém em 2025, todos os olhos se voltam à capital paraense. E os artistas se preparam para discutir de forma global o que já falavam internamente.

Essa foi a ideia do Prince Claus Fund, segundo o diretor-executivo, Marcus Desando. Para ele, “preparar as comunidades locais com meios para falarem sobre as questões [da mudança climática] é muito mais importante do que eles apenas chegarem na COP30 com cartazes”. Afinal, diz, “a arte é a linguagem mais direta às pessoas”.

Os problemas que as comunidades de Belém enfrentam, afirma, sejam direitos à terra, racismo ou questões climáticas, também são enfrentados por outras pessoas ao redor do mundo, que têm diferentes formas de solucioná-las.

“É uma oportunidade para Belém deixar sua própria voz mais forte para sair ao mundo”, afirma, após ressaltar que “não é que eles já não saibam se expressar” e que os paraenses também têm muito a ensinar.

Durante os dias de troca, os artistas fizeram uma visita à Mãe Márcia de Xangô, na Ilha de Cotijuba, área de preservação na região insular de Belém. O coletivo da casa de axé promove educação ambiental na comunidade por meio de oficinas de desenho, música e poesia.

“As mudanças climáticas, que já não são mudanças porque estão no auge, fazem a gente precisar passar um alerta, e através da arte se torna mais rápido e mais leve”, diz.

Eles participaram de uma gira de umbanda, o que o argelino Mohamed Labat definiu como “relação com entidades e com a natureza”. No fórum, Labat apresentou o projeto visual “PhosFATE”, que aborda o fósforo e o impacto de sua exploração sobre os indígenas do Saara, além de desafios ambientais, as mudanças climáticas e a eutrofização (poluição gerada por excesso de nutrientes na água) do mar causada por fertilizantes.

O fósforo do deserto do Saara é um nutriente que chega à amazônia através da poeira transportada pelo vento e compensa a falta de fertilizantes naturais no solo da floresta brasileira, além de influenciar na formação e no volume de chuva na região.

Em uma roda de conversa, a moçambicana Yara Costa afirmou que as pessoas das diferentes comunidades representadas estão vivendo há muito tempo as mesmas crises.

“A gente só não está falando a mesma língua e não estamos falando do mesmo lugar”, disse. A arte, para ela, seria uma maneira de apresentar a realidade do chamado Sul Global, conceito usado para definir países em desenvolvimento.

Costa expôs a instalação “Nakhoda e a Sereia”, uma experiência imersiva que alerta para a forma como populações costeiras africanas do oceano Índico, que durante séculos mantiveram uma relação harmoniosa com o mar, estão sendo afetadas pelas consequências do aquecimento global –um problema pelo qual não são responsáveis.

Os grupos vulneráveis que não contribuíram para a emissão de gases do efeito estufa são os mais afetados pela mudança climática, segundo diversos estudos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em português). Esse é o conceito ao qual se refere o termo injustiça climática.

Os termos justiça e injustiça climática, usados pelo IPCC e entre pesquisadores, estão sendo adotados agora no discurso já recorrente das comunidades do Pará sobre ativismo socioambiental.

“A gente sempre fez [ativismo] dessa forma. Agora estamos nomeando dentro desses termos de conferências, de fóruns, mas sempre falamos sobre, porque não tem como separar uma mulher negra da periferia do seu território. É a nossa raiz”, diz Joyce Cursino, fundadora da produtora Negritar Filmes.

No fórum, ela apresentou o documentário “A 7 Palmas da Liberdade”, sobre uma produtora de óleo de palma que se apossou de um cemitério quilombola e proibiu a comunidade de cultuar seus mortos.

A produção do açaí para exportação e seu consecutivo encarecimento, a poluição dos rios por empresas, o descarte incorreto do lixo, a exploração do cacau, a falta de saneamento básico em Belém, o racismo, o descaso com os povos indígenas, a gentrificação e o olhar do Sudeste sobre a região foram temas abordados no fórum.

A própria preparação para a COP30 foi questionada. “Há todo um projeto de reforma dos centros da cidade, mas não existe algo claro sobre qual vai ser o recurso investido nos bairros mais pobres para que depois da conferência eles possam não sofrer com alagamentos e falta de saneamento básico”, diz a carimbozeira Priscila Cobra.

Thiago Maiandeua, coordenador executivo do grupo de jovens pela justiça climática Rede Cuíras, se diz não muito animado para a COP30. Segundo ele, as pessoas do seu território, reserva indígena e área de proteção ambiental Algodoal-Maiandeua, não sabem o que significa o termo e até perguntam se tem a ver com a Copa, de futebol.

O rapper Pelé do Manifesto tem um olhar mais positivo. Segundo ele, o evento pode mudar a ideia das pessoas de que a amazônia é uma espécie de “quintal” do país e do mundo.

Ao final do evento, neste sábado, o foco do fórum foi em “reimaginar futuros”. Para a artista multidisciplinar Deborah Jack, de São Martinho, há jovens sonhando com um futuro em que a natureza vence. “Acho que esse é o trabalho da arte”, disse.

A repórter viajou a convite do Prince Claus Fund.