SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O olhar e os investimentos da Índia mirando fora da Terra têm trazido resultados e tornado programa espacial indiano uma força a ser considerada. Mas ainda há uma enorme distância para os líderes da renovada corrida espacial.

O professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas Pedro Brites avalia que a distância da Índia para os grandes líderes na exploração espacial, Estados Unidos e China, tem diminuído. “Mas ainda há um oceano de diferença”, ressalta.

Em agosto de 2023, a partir da missão Chandrayaan-3, a Índia entrou para o seleto grupo de programas espaciais que conseguiram pousar na Lua. Até aquele momento, apenas outros três países já tinham realizado esse feito: Estados Unidos, Rússia e China. Em 2024, o Japão se tornou o quinto país a completar a façanha.

Nove anos antes, a Índia se tornou o primeiro país a colocar com sucesso um satélite na órbita de Marte na primeira tentativa. Na ocasião, o então administrador da Nasa, Charles Bolden, deu boas-vindas à “família de nações estudando outra faceta do Planeta Vermelho”.

Em entrevista ao veículo OPEN Magazine em agosto deste ano, o ministro do Estado para Ciência e Tecnologia da Índia, Jitendra Singh, estimou que a economia relacionada ao espaço irá quintuplicar nos próximos dez anos, o equivalente a cerca de US$ 44 bilhões.

Ele disse também que a expectativa é enviar o primeiro indiano ao espaço na segunda metade de 2025 e que, talvez, o primeiro indiano poderá pousar na Lua em 2040.

De acordo com Pedro Brites, a Índia tem avançado em uma estratégia de longo prazo para o espaço e busca se consolidar como grande potência da Ásia. Um plano mais amplo permitiria à Índia melhorar sua representação global em termos econômicos e militares e fazer parte de ciclos econômicos que podem ocorrer nas próximas décadas, como uma possível mineração na Lua.

Para alcançar os ambiciosos objetivos, a Índia enfrenta desafios de limite de tecnologia e orçamento, apesar da vontade política. Para 2024-2025, o governo separou o equivalente a US$ 1,5 bilhão para o departamento espacial. Em termos de comparação, o orçamento da Nasa de 2025 proposto pela Casa Branca chega a cerca de US$ 25,4 bilhões.

O professor da FGV acrescenta também que outro fator dificultador para a Índia é manter o cenário de relativa estabilidade. O país é vulnerável a possíveis conflitos com Paquistão e China.

UM INÍCIO CIVIL

A agência espacial da Índia chamada Organização de Pesquisa Internacional indiana (ISRO) veio em 1969 e substituiu o Comitê Indiano Nacional para Pesquisa Espacial, de 1962. O contexto mundial era de Guerra Fria e surgiam as agências espaciais ao redor do mundo, conta a professora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) Raquel Missagia. A fundação da própria Nasa ocorreu poucos anos antes, em 1958.

O primeiro líder indiano após a independência da Índia em relação ao Reino Unido, Jawarharlal Nehru, que governou o país de 1947 até sua morte em 1964, trouxe um legado de não-alinhamento e pacifismo ao programa espacial indiano no momento em que o mundo buscava se posicionar no bloco capitalista ou socialista.

“Como sintoma dessa perspectiva, o Nehru vai fortalecer um programa espacial que dialoga com a premissa de que o desenvolvimento econômico e social do país vinha em primeiro lugar”, explica a professora da UFF.

O país investiu no envio de satélites para a órbita da Terra que melhorassem comunicação, meteorologia e sensoriamento remoto, enquanto a estratégia militar não era a maior prioridade. As finalidades de combate do programa espacial indiano ganharam maior atenção da Índia à medida que a China se consolidou como grande potência.

Para Pedro Brites, um marco desse contexto foi a realização de testes de mísseis antissatélites pela China em 2007. “Mostra que a China conseguiu avançar muito tecnologicamente e, mesmo que você tenha capacidade de lançar seu satélite, se não tem capacidade de defendê-los, você pode ficar vulnerável”, diz.

Índia e China têm tensões por questões fronteiriças e influência na Ásia. Os dois países se enfrentaram no Himalaia em 2022.

MUNDO MULTIPOLAR

A ascensão da Índia vem com a mudança de um mundo fragmentado entre duas forças, União Soviética e Estados Unidos, para um multipolar. Nesse contexto, novas forças também querem e podem avançar seu domínio no espaço.

A partir da década de 90, a Índia passa por grande crescimento econômico, que reflete na vontade e possibilidade de aumentar a capacidade tecnológica e avançar em seu programa espacial.

A Índia aderiu ao Acordo de Artemis em 2023, dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, jornais indianos indicam que há interesse da Índia e da China de se juntarem à Rússia na construção de uma planta de energia nuclear na Lua.

“Estamos vivendo em um ambiente tão mais complexo que as disputas ocorrem em conjunto com a cooperação”, explica Raquel Missagia. Ela avalia que a Índia tem um projeto próprio de poder e se alinha com os projetos dos países à medida em que vê vantagens, como transferência de tecnologia e aprendizado.

HERANÇA NA ASTRONOMIA

Para o professor de História da Ásia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Emiliano Unzer, o programa espacial indiano representa um retorno à grande herança de matemática, astronomia e filosofia indiana.

Ao longo da história, indianos acumularam conhecimento de observação dos céus para navegação e agricultura. No século 5, por exemplo, o astrônomo e físico Aryabhata observou que a Terra girava ao redor do Sol e de seu próprio eixo. No sul da Índia, foguetes foram usados como arma de guerra contra britânicos no século 18.

Mas durante a ocupação britânica houve uma supressão do conhecimento indiano. “Os britânicos não enxergavam os indianos como capazes –nem queriam que fossem capazes– de pensar por si próprios, de terem universidades e cientistas”, avalia Unzer.

As missões espaciais indianas recebem nomes que retomam à tradição hindu. Chandrayaan, por exemplo que nomeou as missões ao satélite natural da Terra, fazem referência à deusa da Lua hindu, chamada Chandra.