SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ricardo Nunes (MDB) vinha descrevendo sua campanha, desde o princípio do período eleitoral, como a união entre o centro e a direita para derrotar a esquerda, representada por Guilherme Boulos (PSOL). Mas, se antes ele se propunha a representar o centro nessa equação, a bolsonarização vista nesta semana deixou dúvidas e gerou críticas de aliados que não concordam com a guinada à direita.
Integrantes de legendas como MDB, PSD e PSDB lamentaram as declarações de Nunes a podcasts bolsonaristas, em que admitiu o impeachment do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, defendeu anistia para os presos do 8 de janeiro e disse se arrepender de ter defendido a obrigatoriedade da vacina e o fechamento do comércio durante a pandemia.
Esses aliados cobram que a campanha divulgue uma nota reafirmando o compromisso de Nunes com a vacinação. Eles lembram que o prefeito se vacinou e negam que sua postura agora seja antivacina.
Nunes deu entrevistas ao blogueiro Paulo Figueiredo (neto do último presidente da ditadura militar brasileira), nesta segunda-feira (16), e ao podcast Te Atualizei, nesta quarta-feira (18).
Já o entorno de Jair Bolsonaro (PL) afirma que as declarações de Nunes foram um acerto e estão sendo muito elogiadas. A iniciativa de que o prefeito desse entrevistas aos influenciadores de direita partiu de interlocutores do ex-presidente que integram a coligação, e não dos emedebistas.
Nesta quinta-feira (19), ao fazer campanha em Pinheiros, Nunes disse não ter mudado de posição, apenas feito uma correção.
“Eu sempre estou a favor da vacina. A gente tem a poliomielite, uma série de vacinas que são importantes. Não existe nenhuma questão de mudança daquilo que eu sempre defendia. São Paulo se tornou a capital mundial da vacina”, disse.
“O que eu fiz foi uma correção com relação ao passaporte da vacina da Covid. Se fosse hoje, eu não teria feito o passaporte da vacina. […] A grandeza do gestor é isso, de reconhecer que, depois de ter alguns dados, cometeu algum erro. De resto, a vacina é super importante. São Paulo deu exemplo para o mundo com relação à questão da vacinação”, completou.
Durante a visita ao Mercado Municipal de Pinheiros, Nunes participou de uma chamada de vídeo com Bolsonaro. Estavam presentes também o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o presidente do MDB, Baleia Rossi, e o ex-secretário Fabio Wajngarten, que fez a ligação para o ex-presidente.
Nunes e Bolsonaro falaram brevemente sobre amenidades deram palpites sobre o resultado do jogo Palmeiras e Vasco, que acontece neste domingo (22).
O passo foi justificado, entre integrantes da campanha, pela ameaça que Pablo Marçal (PRTB) representa nesse eleitorado, já que o influenciador é visto pelo público conservador como alguém que representa seus valores, enquanto o prefeito é tido como alguém de esquerda. O próprio ex-presidente manteve certa dubiedade, piscando para Marçal enquanto sua aliança formal era com Nunes.
Líderes de partidos de centro e de centro-direita ouvidos pela Folha ponderam que as declarações de Nunes foram desnecessárias neste momento em que Marçal cai nas pesquisas e que o segundo turno caminha para ser disputado entre Nunes e Boulos.
O argumento é que, entre o prefeito e o deputado do PSOL, os eleitores da direita votariam em Nunes de qualquer forma, ou seja, as falas bolsonaristas não acrescentam do ponto de vista eleitoral e, pelo contrário, podem prejudicar a imagem pessoal do emedebista no futuro.
As entrevistas do prefeito se tornaram assunto em uma reunião rotineira de emedebistas a respeito da campanha. Outro comentário foi o de que não fazia sentido comprar briga com Moraes.
Por outro lado, integrantes da campanha de Nunes dizem não acreditar que a bolsonarização do prefeito vá causar a fuga de eleitores de centro e não veem prejuízo na corrida. Na visão deles, esse eleitorado não vai trocar Nunes por nomes tidos como radicais, como Boulos, e tampouco escolheriam Tabata Amaral (PSB), que não tem votos para ir ao segundo turno.
A defesa da não obrigatoriedade da vacina foi vista como um erro principalmente entre integrantes da gestão e causou mal-estar em servidores municipais da rede de saúde, após a grande dedicação que o combate à pandemia exigiu.
A atuação de Bruno Covas (PSDB) e Nunes naquele momento era, inclusive, uma das vitrines da campanha, com o mote de que São Paulo foi a capital da vacina.
Embora o prefeito tenha dito, nas entrevistas aos podcasts bolsonaristas, que se arrepende e que faria diferente, os profissionais de saúde reiteram que o isolamento e a imunização foram os métodos corretos e que evitaram mortes na pandemia.
Nunes ainda negou, na entrevista a Figueiredo, que tivesse demitido funcionários da prefeitura que não se vacinaram, mas ao menos cinco comissionados foram desligados por essa razão, segundo integrantes da gestão.
Em outra frente, houve aliados de Nunes que minimizaram a situação, mesmo dentro da ala que se posiciona ao centro e que não simpatiza com Bolsonaro. Na opinião desses políticos, as falas do prefeito vão atingir apenas um público específico e ficaram no limiar do aceitável.
Para eles, uma eventual bolsonarização de Nunes estava precificada desde o momento em que a aliança com o ex-presidente foi firmada. Eles afirmam que o apoio de Bolsonaro a Nunes, ainda que vacilante, foi importante para alavancar o prefeito e era esperado que houvesse gestos em troca.
A avaliação é a de que as entrevistas aos podcasts ao menos ajudaram a pagar essa fatura e que agora é preciso seguir adiante, priorizando as mobilizações de rua e a campanha tradicional na reta final.
Questionados pela reportagem, políticos que convivem com Nunes afirmaram não acreditar que posições negacionistas ou bolsonaristas sejam adotadas pela prefeitura caso ele seja reeleito.
Na entrevista a Figueiredo, o blogueiro exibiu um vídeo em que Nunes defende o uso de máscara, álcool em gel e isolamento social.
“A questão da obrigatoriedade da vacina, eu tenho muito tranquilidade, depois de toda a experiência, e tenho humildade para falar isso, que hoje eu sou contra”, declarou Nunes em resposta.
Também afirmou que foram equivocadas medidas como fechamento do comércio, que na época ele defendeu. “Está provado que foi errado, até por conta do que está vindo agora de estudo.”
A respeito de Moraes, Nunes disse ser “lógico que o ministro abusou do poder” ao prender Filipe Martins, que foi assessor de Bolsonaro. E defendeu que, se confirmada a reportagem da Folha de que Moraes agiu fora do rito contra bolsonaristas, “obviamente tem que se abrir o processo” de impeachment.
“No 8 de janeiro deram penas altíssimas [aos invasores], e o Boulos não cumpriu um dia de pena, porque também invadiu o Ministério da Fazenda, depredou. Precisa ter equilíbrio nessas decisões”, declarou Nunes.
Políticos próximos a Bolsonaro vinham cobrando gestos de fidelidade por parte de Nunes, enquanto emedebistas consideravam que a participação do ex-presidente na campanha já estava dada com a sua ida à convenção partidária e aparições esporádicas, como a ligação surpresa em um jantar na semana passada.
Estrategistas da campanha insistem na ideia inicial de exaltar entregas da prefeitura e colocar a política em segundo plano, e afirmam que essa tática, aliada à propaganda no rádio e TV e ao apoio intenso de Tarcísio, foi suficiente para fazer Nunes se recuperar nas pesquisas.
Enquanto isso, se desenrola uma novela sobre se e como Bolsonaro deveria ter maior participação na campanha, por meio de gravações de propagandas e agendas de rua. Tarcísio, por exemplo, é um dos que buscam trazer o ex-presidente e tem dito que haverá uma brecha na agenda para isso.