SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O estado de São Paulo tem uma dívida de mais de R$ 36 bilhões com quem o venceu na Justiça, de acordo com o último levantamento, feito em abril deste ano. São 309 mil credores numa longa fila de cerca de 208 mil precatórios, como são chamadas as requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário estadual para ações acima de R$ 15,4 mil.

Precatórios estaduais são pagos separadamente dos federais. Por isso, não entraram no processo de regularização do governo federal, no início deste ano, que direcionou um montante superior a R$ 93 bilhões, por meio de crédito extraordinário.

De acordo com a Constituição Federal, o pagamento de precatórios deveria acontecer em até dois anos e meio após a sua emissão.

No estado paulista, pela ordem cronológica de pagamento, neste momento estão sendo pagos os precatórios processados para o exercício de 2011, segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é o gestor da dívida.

São Paulo está sob o regime especial do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina que o pagamento dos precatórios seja feito até 31 de dezembro de 2029, sob pena de ter a conta do estado bloqueada pelo Tesouro, e a União deixar de fazer os repasses obrigatórios da arrecadação de tributos.

Enquanto isso, segundo a seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o débito está custando mais R$ 4 bilhões de juros por ano aos cofres paulistas, novos processos geram precatórios e credores ficam vulneráveis a golpes e deságios.

Precatórios são títulos expedidos pela Justiça a credores que venceram ação judicial transitada em julgado, ou seja, na qual não caibam mais recursos. O pagamento de precatórios está previsto na Constituição Federal. Das 949 entidades devedoras do Estado de São Paulo, a Fazenda estadual segue como a maior acumuladora de dívidas judiciais.

A maior parte dos credores de São Paulo são servidores públicos –mais de 80% da dívida são precatórios alimentares da área da saúde, que discutiram salários e vencimentos. Mas há também empresas e pessoas que tiveram alguma lesão patrimonial por ato de um agente público, casos de indenização por erro médico em hospital público, obra que causou dano em uma propriedade e desapropriação.

O problema piorou depois de 2019, quando o governo estadual reduziu para menos da metade o teto das OPVs (Obrigações de Pequeno Valor), aumentando o estoque de precatórios. Até então, uma dívida de R$ 30 mil (hoje, o valor atualizado estaria em R$ 38 mil) era paga por OPV, cujo processo é mais célere e o pagamento é feito em dois meses após a emissão da ordem pelo juiz.

Com a mudança, o valor atual para uma dívida ser considerada um precatório é de R$ 15.407, um dos menores do país, inclusive em relação a municípios. A Prefeitura de São Paulo, que arrecada quase quatro vezes menos do que o estado (R$ 100,5 bilhões, em 2023), tem um teto de R$ 27 mil, por exemplo.

“De todos os precatórios estaduais expedidos e inseridos no Orçamento de 2024 [cerca de 60 mil], quase 40% seriam pagos por OPVs se fosse mantido o teto anterior”, afirma o presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, Felippo Scolari. Uma OPV é paga, geralmente, em 60 dias.

“Até quando a inflação era muito alta, nos anos 1980, os precatórios eram pagos em dia. Depois, descambou”, diz Scolari.

No Legislativo tramita um projeto de lei, de autoria da deputada Dani Alonso (PL-SP), para que o novo limite de OPVs seja de R$ 40 mil. A OAB-SP entrou com pedido para o PL tramitar em regime de urgência na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Segundo Messias Falheiros, vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, o projeto ganhou força com a recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) validando uma lei do Distrito Federal (com fila de 2003) que aumentou o teto para 20 salários mínimos. “O STF entendeu que é constitucional a elevação do teto dessas requisições”, diz.

Os representantes da OAB-SP afirmam que há cerca de R$ 17 bilhões disponíveis em recursos de depósitos judiciais públicos e privados que têm autorização legal para serem utilizados no pagamento dos precatórios, mas não o são.

“O Poder Executivo tem recursos à disposição para quitar mais da metade da dívida, sem fazer uso de recursos do Tesouro, ou seja, sem colocar a mão no bolso”, afirma Falheiros.

A PGE-SP (Procuradoria-Geral do Estado) afirma que a utilização de recursos de depósitos judiciais é uma faculdade, não uma obrigação. “Até porque não é propriamente um recurso, mas um mecanismo de financiamento, implicando sua utilização em mera conversão de uma dívida em outra, devendo ser usado com responsabilidade”, afirma o órgão.

“De modo responsável, o estado faz e sempre fez uso desse mecanismo, sendo os valores não levantados reservas técnicas, cuja utilização sequer é viável, pois a própria Constituição Federal exige que sejam provisionadas garantias.”

COMO OS PRECATÓRIOS SÃO PAGOS

Além da demora na liberação de recursos do orçamento estadual, outro problema é o fluxo de pagamento dos precatórios adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Cinco entidades emitiram nota conjunta questionando o modelo e pedindo investimentos no aprimoramento dos servidores e na modernização de equipamentos e programas utilizados pelo triburnal: a OAB-SP, a AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), o IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), o MDA (Movimento de Defesa da Advocacia) e o CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados).

“Não é incomum a demora por mais de dois anos entre a disponibilização dos recursos pelas entidades devedoras e o efetivo crédito em favor dos beneficiários, muitas vezes verificado apenas após despendido grande esforço para a superação de óbices meramente burocráticos e irrazoáveis”, diz trecho da nota.

O Tribunal de Justiça de São Paulo é responsável por organizar as filas de precatórios devidos pelo estado, municípios e autarquias que estão sob sua jurisdição. As entidades devedoras depositam os valores em uma conta e a Depre (Diretoria de Execuções e Cálculos de Precatórios) faz os pagamentos de acordo com a ordem cronológica e a natureza do caso.

Primeiro são pagas as prioridades –pessoas com mais de 60 anos, com doenças graves ou com deficiência. Em seguida, a lista retorna para o precatório mais antigo, sendo primeiro os alimentares e, depois, os de outras espécies de cada ano.

O dinheiro é depositado pela entidade devedora em conta judicial controlada pela Depre. A consulta aos pagamentos pode ser feita pelo site www.tjsp.jus.br/precatorios, na opção Lista de Precatórios Disponibilizados e Pendentes de Pagamentos, no item “Credores” do menu lateral direito.

Mensalmente, por volta do quinto dia do mês, as listas de precatórios pendentes são atualizadas, excluindo-se os precatórios pagos no mês anterior.

Na capital, os precatórios da Fazenda Estadual e da Prefeitura de São Paulo que seguem a ordem cronológica de pagamento são repassados para a Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública). O andamento dessa fase pode ser consultado no site do TJ-SP, na aba “Processos”, o item Consulta Processual – Processos do 1º Grau.

Segundo a Procuradoria-Geral do Município de São Paulo, são feitos depósitos mensais no valor de R$ 309,5 milhões em contas mantidas pelo TJ-SP para pagamentos de precatórios.

O credor também tem a possibilidade de fazer acordos com os órgãos públicos paulistas para receber antecipadamente, com uma desvalorização de até de 40%.

A procuradora-geral do estado de São Paulo, Inês Coimbra, afirma que há um estudo com o TJ-SP para escalonar o deságio, como é feito com a prefeitura da capital paulista –que faz o pagamento de 60% a 80% do valor atualizado, a depender do ano de ordem cronológica do precatório. Por enquanto, não há previsão para a conclusão deste estudo.

GOVERNO LANÇARÁ NOVO ACORDO AOS CREDORES

Na próxima semana, o governo Tarcísio vai oferecer um novo acordo para o pagamento de precatórios. O edital está previsto para o dia 5 de agosto.

Os credores poderão antecipar o pagamento, desde que aceitem receber 60% do valor do precatório. O TJ-SP irá firmar o acordo e fazer o depósito direto na conta do credor. A meta, segundo a procuradora-geral do estado de São Paulo, Inês Coimbra, é de, até o final do ano, o pagamento ocorrer em 60 dias para quem fizer o acordo. Até o momento, diz, o acordo demora 120 dias para ser finalizado e ser encaminhado ao tribunal.

O objetivo é rivalizar com o mercado de compra de precatórios, que tem descontos maiores do que os 40% do estado, mas que faz o pagamento em poucos dias. “Haverá uma cartilha e muita divulgação, para que o titular do direito compreenda as opções que tem”, afirma Inês.

Para 2025, o governo de São Paulo prevê uma arrecadação de R$ 339,8 bilhões, um crescimento de 6% na comparação com a receita projetada para todo 2024, de R$ 320,2 bilhões. Já a despesa fiscal calculada para o ano que vem é de R$ 324,7 bilhões.

PRECATÓRIO VIRA ATIVO FINANCEIRO

A arrastada fila de pagamento dos precatórios criou um segmento do mercado financeiro que atende à demanda de credores atrás de receber seus valores mais rapidamente, mesmo que com desconto. Em vez de esperar o governo, o credor vende a dívida para um investidor, que pode ficar sem receber o dinheiro por mais tempo.

O precatório é considerado um ativo seguro por ser gerado a partir de uma decisão judicial que não será alterada. Afinal, o devedor não pode mais questionar na Justiça o débito e a Constituição obriga o pagamento.

O mercado de venda de precatório expandiu nos últimos dez anos. Empresas que compram precatórios podem ser instituições bancárias, corretoras, de consultoria ou dívidas tributárias, fundos de investimentos e há as que trabalham exclusivamente com a antecipação de ativos judiciais.

A atividade é legal, desde que as empresas obedeçam os devidos trâmites legais para que a negociação tenha validade. Além do valor do pagamento feito ao titular do precatório, as empresas também reservam os honorários do advogado responsável pelo processo.

Quem vende recebe o dinheiro quase de forma imediata. O BTG Pactual, por exemplo, afirma que o pagamento pode ocorrer em sete dias. Em contrapartida, no mercado, o crédito do precatório chega a ter 80% de deságio. Ou seja, um credor que vende um precatório de R$ 20 mil, receberia no caso R$ 4.000.

“As pessoas vêm muito reativamente buscando vender por uma questão de saúde ou de idade. Esperar décadas é muito difícil para uma pessoa que não entende o que está acontecendo ali dentro [no processo]”, afirma Eduarda Gouvêa, vice-presidente do conselho deliberativos da Drom Investimentos.

Messias Falleiros afirma que é preciso cautela ao credor que opta por vender seu precatório. Muitos são assediados por empresas que se oferecem para comprar o crédito com base no valor da dívida sem correção monetária. Por isso, o advogado orienta credores a sempre consultarem seus advogados para saber quanto, na verdade, têm a receber do governo.

Em nenhuma hipótese a empresa interessada deve pedir um pagamento antecipado para ficar com o precatório. Essa oferta se trata de um golpe. Empresas sérias não pedem para o proprietário do título adiantar valores.