SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com a descriminalização do porte de maconha, o Brasil se junta a um rol de países que implementaram ao menos algum tipo de mudança sobre o uso de drogas. Mas o mapa dessa e de medidas mais avançadas, como a legalização do uso medicinal ou recreativo e a regulação de um mercado, pode revelar o peso tanto de questões culturais e políticas quanto de econômicas.
Na última segunda-feira (1º), por exemplo, a Alemanha passou a permitir o funcionamento de clubes canábicos, associações sem fins lucrativos que produzem e distribuem maconha entre um número limitado de membros. A modalidade já é conhecida na Espanha e funciona, segundo defensores da descriminalização de drogas, como uma maneira de o usuário acessar a droga sem apelar para o mercado ilegal –coisa que falta no Brasil.
Já no campo da redução de danos, relatório conjunto do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e da Rede Europeia de Redução de Danos publicado em dezembro de 2023 apontou que as salas de consumo seguro de drogas eram ao menos cem no mundo em 2022, operando em países como Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Portugal, Austrália, Canadá e México, entre outros.
Embora haja uma concentração aparente em países desenvolvidos de avanços na regulação do acesso a drogas e em abordagens diferentes da repressão, nações fora desse eixo também registram avanços na descriminalização de drogas, segundo Matthew Wilson, diretor de divisão do programa global de políticas de drogas da Open Society Foundations.
“O Uruguai foi o primeiro país a legalizar [Cannabis] no mundo, e a África do Sul acaba de aprovar uma nova regulação que permite uso e cultivo.”
Para Wilson, países desenvolvidos podem se sentir mais confiantes e menos pressionados pela comunidade internacional para mudar suas políticas domésticas, mas alguns exemplos, como o do Uruguai, mostram que essa pode não ser a regra predominante.
A Tailândia, por exemplo, permitiu o uso recreativo em 2022 e viu um mercado com cara de bilionário surgir nos últimos dois anos. Embora esteja no meio de um debate para voltar criminalizar esse tipo de consumo, o país destoa dos vizinhos na Ásia.
De acordo com Paulo Pereira, que coordena o Grupo de Pesquisas Internacionais sobre Políticas de Drogas da PUC-SP, o caminho das reformas de políticas de drogas no mundo pode indicar uma visão da extensão dos Estados sobre a vida cotidiana, mas também carrega o peso de anos de proibicionismo.
“É uma hipótese, mas na periferia do sistema internacional, particularmente em Ásia e África, houve um investimento grande em criminalização das drogas e ainda não há um incentivo, como houve na Tailândia, para que a Cannabis tenha expressão política e econômica.” O incentivo do governo tailandês para a atividade incluiu a distribuição de 1 milhão de mudas de maconha.
Ainda, a pressão civil em países ocidentais por reformas em políticas de drogas poderia estar ligada a noções mais difundidas de liberdades individuais e costumes mais liberais, como é o caso do Uruguai, segundo Pereira, que tem um histórico mais progressista em relação a aborto e casamento homoafetivo.
No México, a declaração de inconstitucionalidade da proibição de cultivo, colheita, transporte e distribuição da maconha teve, no argumento da Suprema Corte, a defesa do livre desenvolvimento da personalidade.
O tema de costumes também põe a decisão do STF no Brasil em perspectiva, segundo o pesquisador, já que o país tem um histórico de repressão violenta a drogas e de limitação a direitos como aborto legal e casamentos homoafetivos.
Por outro lado, segundo Pereira, as iniciativas para repensar o tema de drogas têm acontecido mesmo em locais com restrições históricas. É o caso da maconha, que tem ganhado espaço com a produção legal para via medicinal em Marrocos, Zimbábue e Lesoto, na África.