AURA A. INTRIERI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São 3h30 e o analista de dados Estevão Palese, 23, já está suando em cima da máquina de musculação, em uma academia na zona leste de São Paulo. Ele faz parte de um grupo crescente de pessoas que escolhe a madrugada para se exercitar.

Segundo dados da plataforma de benefícios de bem-estar Wellhub (antigo Gympass), a parcela do total de check-ins diários em academias registrados entre 0h e 4h59 cresceu mais de 20 vezes nos últimos cinco anos.

Em 2019, os que se exercitavam nesse intervalo representavam 0,26% dos usuários da plataforma. Em 2024, o número chegou a 5,44%.

O levantamento reúne dados de todo o Brasil e foi feito a pedido da Folha de S.Paulo. As medições são referentes ao primeiro trimestre de cada ano e usaram o horário oficial de Brasília.

“Acordo às 3h. Minha rotina começa bem forte e vai ficando mais leve com o passar do dia. Para aguentar esse horário, umas 19h já estou apagado”, diz Palese

Especialistas consultados pela reportagem têm diferentes interpretações sobre o saldo do da atividade física feira durante a madrugada para a saúde.

A biomédica Monica Andersen, diretora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono, é contra trocar o dia pela noite para fazer exercícios.

“Nós somos programados para dormir na fase noturna, e o sono diurno não é reparador”, diz.

Segundo ela, é melhor ter um sono de qualidade no horário convencional para, durante o dia, fazer mais atividades físicas, “como subir alguns lances de escada no trabalho ou ir à padaria a pé”.

A especialista também afirma que a falta de sono, no caso dos que deixam de dormir para treinar, afeta a capacidade de emagrecimento e o ganho de massa muscular.

“O sono é o principal fator de bem-estar e de homeostase. Ele regula todos os nossos processos fisiológicos, como digestão, músculos, sistema imunológico.”

Por outro lado, para atingir o benefício do exercício físico no longo prazo, a regularidade é mais importante do que o horário, na opinião de Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

“As pessoas podem pensar que a atividade física de noite ou de madrugada não vai ser benéfica. Isso é um erro. Se só existe a oportunidade de ir nesse horário, é melhor fazer isso do que ser sedentário”, diz.

Gualano também lembra que muitas pessoas evitam os horários em que as academias estão muito concorridas. “Se a pessoa não se sente bem em um lugar cheio, a preferência tem que ser levada em conta. Precisamos aumentar os facilitadores, e não reduzir.”

O analista de dados Palese, por exemplo, afirma que malha às 3h para fugir da interrupção de outras pessoas e das notificações do trabalho no celular.

“O horário da madrugada é isso. Não tem ninguém me incomodando, não tem ninguém conversando comigo”, diz.

A Wellhub cita mudanças no estilo de vida e na busca por flexibilidade para explicar a tendência crescente de treinos noturnos ao longo dos anos.

“A frequência geral parece aumentar, especialmente em horários como às 0h e 1h, sugerindo uma mudança de hábito e uma maior disponibilidade para atividades físicas durante a madrugada”, diz Priscila Siqueira, CEO no Brasil da plataforma.

“Perdeu o sono? Vai treinar”, afirma Leonildo Dias, dono da rede Academias Gaviões 24h.

Segundo ele, o aumento nos custos de manutenção e contratação com o uso ininterrupto das unidades compensa para fidelizar esses clientes. Dias calcula que os alunos da madrugada representam de 5% a 7% do total da rede.

“Eu não imaginava que fosse ter tudo aquilo de aluno”, disse.