CLÁUDIA COLLUCCI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma antiga demanda das operadoras de saúde, de ofertar planos mais enxutos e sem direito à internação, voltou a ser cogitada em meio ao acordo firmado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em que elas se comprometeram a suspender as rescisões unilaterais de pacientes em tratamento continuado.

Mas como isso exigiria alteração na atual proposta de mudança de lei dos planos de saúde, que está na Câmara, e há poucas chances de isso avançar em um ano eleitoral. A ideia então seria atuar em outras frentes que poderiam trazer algum fôlego às operadoras.

Entre as que foram discutidas com Lira estão novas regras que definam diretrizes para as terapias voltadas ao autismo, cujos custos, segundo as operadoras, chegam a superar os dos tratamentos de câncer.

Outra demanda do setor é a criação de uma lei que estabeleça compartilhamento de risco com as farmacêuticas em casos de medicamentos que custam na casa de milhões de reais e que, uma vez incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), os planos precisam bancar.

A criação do chamado plano de saúde segmentado ou popular, com cobertura mais restritas e preços mais baratos, já foi tentada pelas operadoras entre 2016 e 2017 mas não vingou devido à forte resistência de entidades de defesa do consumidor e de movimentos da sociedade civil.

O novo produto daria aos beneficiários o direito a apenas a consultas e a exames. Apesar de a lei atual dos planos, de 1998, prever a modalidade de planos ambulatoriais, eles nunca tiveram muita aceitação porque são poucos atrativos e caros_às vezes, têm quase o mesmo custo de planos com direito à internação.

De acordo com as operadoras, eles são caros porque a modalidade prevê tratamentos ambulatoriais, como quimioterapia e hemodiálise, e internação por 24 horas em casos de urgência e emergência. Não raras as vezes, os usuários conseguem, pela via judicial, estender a hospitalização, mesmo que o contrato não tenha essa previsão.

Segundo Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), a criação de planos segmentados foi um dos temas conversados com Lira, mas não há nada ainda formalizado. Ele diz que o setor ainda vai elaborar um documento com os problemas que enfrenta e as eventuais soluções.

“Não é para mudar nada o que já está na lei. Vai continuar o que existe hoje, disponibilizando para o consumidor outros tipos de produtos. Mas isso só foi aventado, não existe consenso, vamos ver se ainda vai se colocado na proposta.”

Para ele, em um primeiro momento há questões ainda mais urgentes para serem tratadas no âmbito regulatório, como as terapias voltadas aos autistas. “Por exemplo, antes tínhamos DUT [diretriz de utilização do TEA, transtorno do espectro autista], agora não tem mais. Precisa ter.”

Vera Valente, presidente da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), tem a mesma opinião sobre a urgência de outras questões, como essa falta de diretrizes e de sessões ilimitadas no caso do autismo que, segundo ela, tem levado ao abuso.

“As operadoras estão reembolsando um monte de terapias sem comprovação científica e que não são necessariamente ligadas à saúde. O custo disso está pesando demais. Há sinistralidades de 300% em algumas carteiras.”

Ela diz que há operadoras relatando que o custo com psicoterapias para autismo superou o pagamento de todas as consultas de especialidades.

Outra questão discutida com Lira é a proposta de uma lei que garanta compartilhamento de risco com as farmacêuticas em casos de medicamentos de alto custo, como acontece no SUS. Elas defendem que os planos comprem esses medicamentos pelo mesmo preço acertado pelo Ministério da Saúde.

“Essas terapias novas, que só têm indícios de benefícios, precisam ter compartilhamento de risco sempre. Se um pool de usuários paga um medicamento de quase R$ 8 milhões e no dia seguinte o paciente morre, a farmacêutica botou no bolso R$ 8 milhões sem nenhum risco. E nós, sociedade, pagamos esse custo. O mundo todo tá fazendo isso [compartilhamento de risco].”

Mesmo que as operadoras digam que os planos segmentados não sejam prioridade no acordo que está sendo desenhado com Lira, essa possibilidade já acendeu os sinais de alerta de pesquisadores que estudam direito à saúde e defesa do consumidor.

Para Mario Scheffer, professor de medicina preventiva da USP, trata-se de uma proposta requentada. “Desde a aprovação da lei dos planos em 1998, as operadoras têm uma pauta que é desregulamentar cobertura e desregular o reajuste dos planos individuais [que é ditado hoje pela ANS].

Segundo ele, planos de menor preço entregam um pior serviço. “A rede é muito pequena e acaba excluindo o usuário pela má qualidade e incapacidade da rede, tempo de espera muito grande e cobertura restrita. Isso já existe.”

Para Scheffer, a novidade agora, com eventual mudança na lei, seria excluir, a priori, pacientes que geram grandes despesas aos planos, como os doentes crônicos, idosos, crianças com deficiências, pacientes com câncer e doenças raras.

“A lei atual, com todos os defeitos, diz que os planos têm que cobrir todas as doenças e não podem discriminar a entrada por condições de saúde, por idade. Se for permitido planos só de consultas e exames, que, de largada, já exclui atenção especializada e internações, será um retorno às trevas.”

Para o advogado Rafael Robba, pesquisador da USP e sócio do escritório Vilhena Silva, um plano de saúde que não dá direito à internação ou fará com que as pessoas tenham que custear valores altíssimos nos hospitais privados ou recorrer ao SUS.

“Um plano de saúde que atende o beneficiário para consultas e exames e na hora de internar joga para o SUS, ele não está contribuindo para o bom funcionamento do sistema de saúde como um todo.”