Instituição foi a primeira federal a adotar ação afirmativa racial
Da Redação
A Universidade de Brasília (Unb) realizou nesta quinta-feira (22) uma cerimônia para celebrar os 20 anos da implantação da política de cotas raciais na instituição, completados no último dia 6 deste mês. A universidade foi a primeira instituição federal de ensino superior do país a adotar a iniciativa.
Desde 2004, primeiro ano de implantação da política, 38.042 estudantes entraram na universidade pelo sistema. No início, a política previa que 20% das vagas de graduação seriam destinadas a candidatos negros. Após a Lei de Cotas, de 2012, a instituição destina 50% para estudantes de escolas públicas, com base nos critérios de renda e raça e mantém 5% das vagas exclusivas para negros.
Na reunião extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), órgão que aprovou e estruturou a política na UnB, o pedagogo e representante dos cotistas da universidade, Jonhatan Gonçalves, relatou como a política de cotas lhe permitiu acessar a educação.
“Minha família sequer tinha condições físicas, psíquicas, emocionais e culturais para tamanho apoio, suporte ou investimento à minha educação”.
Avanços
O vice-reitor da UnB, Henrique Huelva, destaca que adoção das cotas foi o primeiro passo para saldar uma dívida do país com a população negra, vítima de um processo de escravidão, uma das maiores atrocidades cometidas pela humanidade. Segundo ele, o caminho ainda é longo.
Conforme pesquisas internas da universidade, quase 12% dos alunos se declaram pretos e 34% pardos. Entre os docentes, o percentual dos que se declaram pretos cai para 4%, e 20% pardos.
“Isso mostra a necessidade de termos cotas, ações afirmativas em mestrado e doutorado, os dois passos seguintes, para que se permita a entrada de novos docentes e pesquisadores e tenhamos uma aproximação um pouco mais satisfatória entre a composição étnico-racial da sociedade brasileira e composição interna da universidade”
Em 2020, a universidade estendeu a política de cotas para a pós-graduação, destinando 20% das vagas de cada edital para candidatos negros e ao menos uma vaga adicional em todas as seleções de stricto sensu para indígenas e quilombolas, As regras entraram em vigor no primeiro semestre de 2021. Está em discussão pelo Cepe a reserva de vagas para docentes.
A reitora da UnB, Márcia Abrahão, contou as pressões e desafios enfrentados pela UnB, ao ser a pioneira na implantação das cotas raciais para ingresso na graduação. Um dos episódios mais marcantes foi a contestação da iniciativa no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, a universidade teve de realizar um estudo sobre o nível de conhecimento dos estudantes cotistas para contestar ação judicial. Em abril de 2012, a Corte Suprema reconheceu que a política era constitucional. No mesmo ano, o governo federal instituiu a Lei de Cotas.
Em outro momento, a universidade teve de lidar com as inúmeras fraudes decorrentes da autodeclaração dos candidatos.
“A universidade foi ousada e vai experimentando. Foi um momento em que a universidade confiou que autodeclaração, de acordo com a lei [de Cotas], seria suficiente para que as pessoas entendessem que é uma política específica. Infelizmente, tivemos muitos casos de fraudes, estabelecemos comissões de investigação. Retornamos com as comissões de heteroidentificação”, afirmou.
A UnB recriou a comissão de heteroidentificação em 2022, quando uma banca avalia a autodeclaração de candidatos negros, indígenas e quilombolas para ingresso nos cursos de graduação. Dois anos antes, em decisão inédita, a instituição expulsou 15 estudantes após intensa investigação comprovar fraude na autodeclaração.
Permanência na universidade
Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, as cotas precisam ter como suporte políticas de incentivo à permanência dos cotistas na universidade.
“Quem é estudante sabe o quanto o dinheiro para as refeições, lanches e xerox são fundamentais para a gente se manter e viver estudando, sem precisar abandonar o estudo e correr atrás de outros modos de sobrevivência. É um auxílio fundamental para estudantes quilombolas, indígenas em situação de vulnerabilidade socio-econômica”.
Em fevereiro, o governo federal anunciou reajuste da Bolsa Permanência, com percentuais de 55% a 75%, o que não ocorria desde 2013. Atualmente, os valores vão de R$ 400 a R$ 900.