SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – A descoberta de novas camadas de complexidade nos sons submarinos emitidos pelos cachalotes (Physeter macrocephalus) indica que as “conversas” entre essas baleias podem ter semelhanças consideráveis com a linguagem ou a música dos seres humanos. A afirmação é ousada, mas está entre as conclusões de um novo estudo sobre esses gigantes dos oceanos, coordenado por pesquisadores nos Estados Unidos.
A pesquisa, que publicada na última terça (7) no periódico especializado Nature Communications, é fruto da análise de sons produzidos pelo grupo EC-1 (sigla inglesa de “leste do Caribe 1”), um dos clãs de cachalotes que vivem nos mares caribenhos.
“Clã”, de fato, é a terminologia usada pelos próprios cientistas. Ao que parece, esses mamíferos marinhos usam a comunicação sonora para traçar distinções entre seu próprio grupo e grupos vizinhos. Ainda que vivendo na mesma região, eles interagem preferencialmente com membros do seu próprio clã.
Um elemento bem conhecido dessas interações entre cachalotes são as chamadas codas, termo derivado da teoria musical que originalmente designa os trechos característicos do fim de uma música.
Já as codas dos cachalotes são sequências mais ou menos padronizadas de sons (estalos ou “cliques”), entremeados por intervalos e com duração de alguns segundos, que eles emitem uns para os outros. Elas podem fazer parte de “corais”, com dois ou mais animais emitindo chamados juntos, com sobreposição total ou parcial de seus chamados.
As codas variam de região para região do oceano -até hoje, foram identificados cerca de 150 tipos no mundo todo, dos quais 21 no Caribe. Ocorre que, nas gravações dos sons do clã EC-1, que capturaram as “vozes” de pelo menos 60 indivíduos (de um total de uns 400 membros do clã), os cientistas perceberam que o tipo de coda não é a única informação presente nos chamados.
Para chegar a essa conclusão, a equipe liderada por Pratyusha Sharma, Daniela Rus, Antonio Torralba e Jacob Andreas -todos ligados ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)- analisou quase 9.000 codas produzidos pelas baleias.
Com base nos padrões sonoros, eles perceberam duas coisas intrigantes, descritas por eles, novamente, com termos emprestados da teoria musical. A primeira delas é uma variação nos intervalos entre os estalos ou cliques que eles chamam de “rubato”.
Na música humana, essa palavra italiana descreve o que acontece, por exemplo, quando um músico “rouba” um pouco da velocidade de um trecho da música, deixando-o mais lento, e compensa isso acelerando depois. Em vez cantar “Parabéns pra você” com um ritmo uniforme, digamos (“Pa-ra-béns-pra-vo-cê” etc.) o uso do “rubato” cria variações, prolongando ou encurtando trechos (“Pa-ra-bééééns-pra-vo-cêêê” ou algo do tipo).
Além de fazer algo parecido com isso, os cachalotes do clã EC-1 também alteram suas codas usando o que os pesquisadores designaram como “ornamentos” -outro termo musical que, no caso das baleias, equivale ao acréscimo de um novo clique no final de uma coda “padrão”.
A equipe do MIT defende que nenhum desses detalhes é casual porque as variações aparecem de acordo com determinados contextos -são mais comuns quando dois cachalotes estão interagindo, e um dos bichos tende a copiar as mudanças nas codas do companheiro depois de ouvi-las, como se fossem tenores fazendo um dueto ou uma dupla sertaneja.
Para os cientistas, uma implicação importante da existência de todas essas variações é que ela aumenta a capacidade combinatória dos chamados das baleias. É mais ou menos o mesmo processo pelo qual os cerca de 30 sons da língua portuguesa (somando as diferentes possibilidades representadas pelas vogais e consoantes do alfabeto) conseguem produzir centenas de milhares de palavras e um número infinito de frases.
Isso, é claro, se o estudo estiver correto. Ainda faltam experimentos que investiguem em mais detalhes os possíveis significados dos chamados dos cachalotes.