NELSON DE SÁ 

HIROSHIMA, JAPÃO (FOLHAPRESS) – A cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão, era o caminho para diferentes objetivos de cada um de seus participantes. Os principais líderes do encontro, porém, fazem a viagem de volta um pouco decepcionados com as suas agendas.

A começar pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, cuja presença no evento foi uma espécie de terremoto. O líder do país em guerra queria reforçar laços com o Sul Global, em parte ainda receoso de declarar apoio à Ucrânia, mas sua meta foi apenas parcialmente cumprida. Índia e China eram o principal alvo do ucraniano.

Por volta das 19h de domingo (21) no Japão -7h no Brasil-, a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) informou a jornalistas que aguardavam a chegada de Zelenski desde o início da tarde que o encontro entre os dois não aconteceria mais.

Após a relutância inicial de Lula diante da solicitação feita por Zelenski, sua equipe disse ter oferecido mais de um horário para uma conversa na tarde do domingo. Daí a presença de jornalistas brasileiros -e de uma bandeira da Ucrânia na sala de reuniões do 22º andar do hotel Ana Crowne Plaza, onde Lula realizou a maior parte de suas reuniões bilaterais.

Questionado durante entrevista com a imprensa se estava desapontado por não ter encontrado o homólogo brasileiro, Zelenski respondeu: “Acho que isso o desapontou”. Disse ter encontrado “quase todo mundo, todos os dirigentes. Todos têm seus próprios horários, por isso não pudemos nos encontrar com o presidente brasileiro”.

Desse modo, o único encontro de ambos acabou sendo na sessão de trabalho sobre paz, estabilidade e prosperidade global que dividiram com os demais líderes do G7 e convidados da cúpula, por volta de 12h, mas eles não teriam se falado diretamente. Uma fonte que solicitou anonimato afirmou, no entanto, que agora Brasília não pode ser acusada de má vontade em relação a Kiev.

Um vídeo divulgado pela agência de notícias AFP mostra o momento em que o líder ucraniano entra na sala da reunião e diversos líderes mundiais se levantam para cumprimentá-lo. Lula, do outro lado da sala e distante da porta de entrada, permanece sentado, aparentemente concentrado na leitura de um documento e usando o fone de ouvido usado para tradução simultânea. Ao seu lado, Joe Biden também não se levanta.

No discurso que fez diante de Zelenski, Lula afirmou condenar a “violação da integridade territorial da Ucrânia” e repudiar “veementemente o uso da força como meio de resolver disputas”. Voltou a dizer que “os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam”, tema que já tinha abordado em discurso na véspera, e acrescentou que é preciso lembrar que as guerras hoje “vão muito além da Europa”, como no caso do Oriente Médio e do Haiti -uma alfinetada no protagonismo que o conflito entre Moscou e Kiev ganhou na agenda internacional.

No mês passado, em viagem a Abu Dhabi, Lula voltou a dizer que tanto Ucrânia quanto Rússia era responsáveis pela guerra. “O presidente [russo, Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano, Volodimir] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra”, disse na ocasião.

Depois, em Madri, ainda lidando com as repercussões negativas de suas declarações, o presidente tentou se esquivar de uma pergunta sobre se considerava os territórios da Crimeia e do Donbass ucranianos ou russos.

“Não cabe a mim decidir de quem é a Crimeia ou o Donbass. Quando você senta numa mesa de negociação, pode discutir qualquer coisa, até a Crimeia. Quem tem que discutir isso são os russos e os ucranianos”, respondeu a um jornalista espanhol.

Por fim, Zelenski se encontrou apenas com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. O premiê afirmou que iria fazer “todo o possível” para buscar uma solução para a guerra -a Índia se tornou o maior comprador do petróleo russo após o início do conflito, minando os esforços da Otan, a aliança militar ocidental, para sufocar financeiramente o regime de Putin. Em encontro com Modi no sábado (20), Lula afirmou em suas redes sociais que Índia e Brasil estão “do lado da paz”.

A presença do líder ucraniano na cúpula teve um custo para seus aliados do Ocidente. Zelenski desembarcou em Hiroshima em uma chegada televisionada ao mesmo tempo em que o G7 divulgava seu comunicado final anti-China, principal objetivo das potências durante o encontro.
No texto, os países-membros do grupo questionaram a “coerção econômica” da China e a militarização do Mar do Sul da China, afirmando não haver “fundamento jurídico” para as “reivindicações marítimas expansivas” do gigante asiático. Os signatários se dispuseram, por outro lado, a buscar “relações construtivas e estáveis” com Pequim.

Em entrevista coletiva neste domingo, o presidente americano Joe Biden disse que os países do G7 concordaram em relação à necessidade de diversificar cadeias de suprimentos para não depender da China.

“Não queremos nos separar da China, queremos reduzir os riscos e diversificar nosso”, disse ele. A relação entre os dois países passa por um momento de tensão desde que os EUA derrubaram um balão chinês no início do ano, desencadeando uma crise diplomática -clima que deve melhorar em breve, segundo Biden.
O líder americano reafirmou seu alinhamento a Zelenski após reunião entre os dois neste domingo e disse que o Ocidente “não vai vacilar” diante da ofensiva russa na Ucrânia. “Putin não vai interromper nossa determinação, como acreditava que podia fazer”, afirmou.

Os EUA são um dos países que lideram o apoio a Kiev por meio de envio de armas à Ucrânia e sanções contra a Rússia, e encontros como o do G7 em Hiroshima são normalmente usados por Zelenski para pedir mais munições para o campo de batalha -o que não foi diferente desta vez. Neste domingo, o líder afirmou que estava confiante de que Kiev receberia caças F-16 do Ocidente para ajudar a repelir a invasão russa.

A repórteres, Biden disse ser “altamente improvável” que os aviões sejam usados em qualquer ofensiva ucraniana nas próximas semanas, e afirmou ter recebido uma “garantia absoluta” do presidente ucraniano de que não empregaria os caças para entrar em território russo -algo de que a Rússia vem acusando a Ucrânia.

O anfitrião Japão, por fim, queria envolver o Sul Global no encontro, intenção que ficou nítida com a lista de convidados. O objetivo vai ao encontro de uma pauta histórica da diplomacia brasileira: a reforma de organizações multilaterais.

Nas sessões da cúpula em que participou como convidado, Lula cobrou reformas na composição de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Conselho de Segurança das ONU. A demanda parece finalmente estar encontrando eco entre as potências mundiais, embora não exatamente por uma motivação altruísta.

As democracias ricas do mundo olham com desconfiança para a forte presença da China nos países em desenvolvimento, enquanto veem sua influência encolher. As economias do G7 representaram 29,9% do PIB global em 2023, abaixo dos 50,7% em 1980, de acordo com o FMI.

Afirmações contundentes sobre o assunto, porém, ficaram restritas a países que já defendiam tal agenda, como a Alemanha e o próprio Japão.
“Qualquer ordem internacional em funcionamento deve refletir o caráter multipolar do mundo”, afirmou o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz, já em Berlim. “O mundo uni ou bipolar de ontem pode ter sido mais fácil de moldar -pelo menos para os poderosos”, acrescentou. “Mas não é mais o mundo em que vivemos.”

Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão, disse que o papel de seu país é preencher a lacuna entre o G7 e o Sul Global em áreas como energia e segurança alimentar. Além disso, Tóquio anunciou o programa Overseas Security Aid, que fornecerá equipamento militar a países em desenvolvimento.