NELSON DE SÁ

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – O maior terremoto a atingir Taiwan em 25 anos deixou pelo menos nove mortos e 946 feridos na manhã desta quarta-feira (3), segundo autoridades locais. Há ainda 50 pessoas desaparecidas sob os escombros deixados pelo tremor, que tombou prédios e causou enormes deslizamentos de terra na ilha.

O sismo começou pouco antes das 8h locais (21h de terça no Brasil) e teve magnitude acima dos 7 —segundo o Centro Geológico dos Estados Unidos, o tremor alcançou 7,4, enquanto a Agência Meteorológica de Taiwan calculou um fenômeno de 7,2 e a Agência Meteorológica do Japão divulgou o número de 7,5.

O último terremoto a fazer tantos danos nesse território considerado uma província rebelde pela China aconteceu em setembro de 1999, quando um tremor de magnitude 7,6 matou quase 2.400 pessoas.

O local mais afetado pelo sismo desta quarta foi a cidade taiwanesa de Hualien, a mais próxima do epicentro e onde aconteceram todas as mortes. Segundo a agência de notícias Reuters, a capital, Taipé, registrou falta de energia em algumas localidades e fechou seu sistema de metrô temporariamente.

“No momento, a coisa mais importante, a maior prioridade, é resgatar as pessoas”, disse o presidente eleito Lai Ching-te a jornalistas, do lado de fora de um dos prédios desabados em Hualien. Segundo o político, que deve assumir o cargo no próximo mês, a ligação ferroviária para a área deverá ser reaberta na quinta-feira (4).

A força aérea de Taiwan disse que seis caças F-16, frequentemente acionados para afastar incursões da China, foram levemente danificados em uma base na cidade, mas acrescentou que a expectativa é de que as aeronaves voltem a operar muito em breve.

O evento geológico levou tensão à região —o sismo gerou um alerta de tsunami na costa leste da Ásia, suspenso horas depois. No Japão, a agência meteorológica japonesa transformou o alerta em um aviso após ondas menos altas do que o previsto atingiram a província de Okinawa, no sul. Nas Filipinas, autoridades alertaram moradores do litoral de várias regiões a se refugiarem em terrenos mais altos.

Na China continental, o terremoto foi sentido em várias regiões, inclusive Xangai, mas a província mais afetada foi Fujian, a mais próxima de Taiwan, com relatos sobretudo das cidades de Xiamen e Fuzhou.

Cenas de construções balançando se repetiram em vídeos compartilhados nas redes sociais.

Informações do Gdacs (sigla em inglês para Sistema Global de Alerta e Coordenação em Situações de Desastre), órgão ligado à Comissão Europeia e à ONU, apontam que o primeiro dos dois principais terremotos ocorreu a uma profundidade de 11,4 km. Geralmente, quanto mais próximos da superfície, mais intensos são os tremores. O segundo foi registrado a 11,8 km.

A brasileira Helena Wang, 38, é casada com um taiwanês e mora em Hualien, cidade mais atingida pelo terremoto. Ela conta que havia acabado de deixar a filha de 11 anos na escola e estava arrumando seu apartamento, no segundo andar de um prédio de quatro andares, quando o tremor começou.

“Eu corri desesperadamente”, relata. “Começaram a cair as coisas aqui em casa, os vidros começaram a quebrar. Eu saí tão desesperada que nem peguei chinelo. Descalça, quase rolando as escadas, porque mexia muito, para lá e para cá, nos degraus.”

Wang conta que desde que se mudou para o país, há três anos, nunca havia presenciado algo assim. A brasileira não foi ao trabalho nesta quarta, num hotel, mas amigos enviaram fotos com aparelhos de TV quebrados, no chão, e azulejos espalhados pelos corredores.

As aulas foram suspensas e uma amiga trouxe sua filha para casa, mas os tremores continuaram ao longo da quarta. “Depois do primeiro terremoto, deu uma pausa, depois teve outro. Está tendo até agora”, diz ela.

Perto da mesma cidade, bombeiros disseram ter resgatado cerca de 70 pessoas que estavam presas em túneis. A equipe perdeu contato, porém, com 50 trabalhadores que viajavam a bordo de quatro micro-ônibus a caminho de um hotel em um parque nacional, Taroko Gorge. Além disso, outras 80 pessoas estão presas em uma área de mineração.

A intensidade do terremoto também foi inédita para o representante do Brasil no país asiático, Miguel Magalhães. “Foi apavorante”, diz. “Nos meus 40 anos de diplomacia, nunca vi um terremoto assim. A gente mora no 14º andar, balança muito mais”, afirma ele.

No apartamento de Magalhães, o tremor destruiu uma estante. Segundo ele, o escritório em Taiwan tem contato muito próximo com a comunidade brasileira por meio de um conselho de cidadãos e um grupo em mídia social. “Já temos notícia de que não há ninguém ferido ou morto”, relata, dizendo que as informações vieram inclusive de brasileiros em Hualien.

O brasileiro filho de taiwaneses James Chuang, que mora em Taipé há 12 anos e presta assessoria a conterrâneos, afirma que o terremoto foi repentino e já começou com muita força. Ele conta que havia acabado de fazer seu café da manhã e estava na bancada quando sentiu algo diferente.

“Já peguei vários, mas este foi o mais forte”, diz ele. “Como a gente já é instruído, a primeira coisa foi abrir as portas, porque se o prédio tiver algum dano estrutural, você não consegue mais. Aí fui ver se estourava cano de gás, água. A torneira caiu, ficou aberta. Começaram a cair coisas, enfeites, latas de coleção.”

Chuabg conta ainda que não correu para o elevador, apesar de ter ouvido alarmes do prédio.

“Estava balançando muito e o elevador poderia ficar preso”, afirma ele. “O condomínio onde moro é mais novo, já segue as leis que exigem que os prédios suportem acima de magnitude 8. Fiquei dentro do apartamento até parar de balançar para depois descer.”

Uma professora taiwanesa, Emilia Lin, contatada pela Folha na cidade de Chiayi, no sul da ilha, relata uma situação de pânico. “Fiquei com muito medo e corri imediatamente para fora do prédio”, diz. “Durou muito tempo. Muitas coisas caíram. Fazia tempo que não tínhamos um terremoto tão forte em toda Taiwan.”

A agência estatal de notícias CNA informou que a fabricante de semicondutores TSMC suspendeu parte das operações no norte da ilha devido ao terremoto. A empresa informou ter retirado funcionários, mas disse que os sistemas de segurança industrial nas “fabs”, como são chamadas as fábricas de chips, não foram afetados.

Além dela, outras duas fabricantes menores de semicondutores, UMC e PSC, e a Innolux, de painéis, pararam linhas de produção no parque industrial Hsinchu. A TSMC também evacuou seus funcionários no parque industrial do sul de Taiwan.

Segundo o especialista em semicondutores Dan Nystedt, baseado em Taipé, a recuperação da produção pela TSMC e outras empresas taiwanesas pode demorar uma semana, porque é preciso verificar dano estrutural e recalibrar o equipamento da linha de produção, entre outras ações.

Ele comenta que devem ser evitadas as comparações com os efeitos do terremoto de 1999, que foi mais próximo às “fabs” então existentes e provocou apagão de energia em toda a ilha.

A região que compreende Japão, China e Taiwan é frequentemente chamada de Círculo de Fogo do Pacífico, uma área conhecida por sua alta atividade sísmica. Essa zona é caracterizada pela movimentação constante das placas tectônicas. Essa atividade resulta na formação de cadeias de montanhas e vulcões ativos e, consequentemente, em alta incidência de terremotos.

O Japão, em particular, está localizado na junção de quatro placas tectônicas, tornando o país especialmente vulnerável. Além disso, as áreas costeiras do Leste Asiático também enfrentam o risco adicional de tsunamis desencadeados por terremotos submarinos, o que amplia ainda mais os desafios sísmicos enfrentados por essa região.