SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu, nesta quarta-feira (21), o economista e ex-presidente do BC (Banco Central) Affonso Celso Pastore, aos 84 anos. Ele estava internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) no final de semana para uma cirurgia.
O velório será realizado no cemitério do Morumbi nesta tarde, entre 13h e 17h.
Bacharel e doutor em economia pela FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Pastore foi professor titular do Departamento de Economia, diretor da instituição e um dos economistas mais respeitados do país.
Ele se dedicou à vida pública e acadêmica, tendo ministrado aulas também em faculdades como Insper e FGV (Fundação Getulio Vargas).
Sua principal contribuição foi à frente do BC entre 1983 e 1985, o último presidente da autarquia durante o período da ditadura militar. À época, em substituição a Carlos Langoni, Pastore teve o desafio de renegociar as obrigações internacionais do país em meio à crise de dívida externa.
Nascido em 19 de junho de 1939, em São Paulo, Pastore vinha de uma família de origem italiana. Não teve dúvidas quanto ao caminho profissional trilhado: “Sempre pensei em ser economista. Não chegou nem a ser uma escolha, foi algo natural”, disse ele em entrevista para o livro de memórias do BC, em 2016.
Ele se formou em 1962 e concluiu o doutorado dali sete anos, com a tese “A resposta da produção agrícola aos preços no Brasil”. O trabalho, que mostrava como a agricultura respondia a preços como qualquer outro setor, “foi de enorme importância”, avalia o economista Marcos Lisboa, colunista da Folha de S.Paulo.
“Affonso faz parte de uma geração que acompanhava a pesquisa científica e buscava entender o que os dados tinham a dizer sobre a realidade”, disse ele, em mensagem de condolências. “Depois [do doutorado] migrou para a macroeconomia, sempre com o mesmo cuidado de analisar os dados, algo que fez a vida toda. Affonso foi o cara mais ético dessa profissão. Correto com os fatos, com os dados, de uma integridade intelectual inacreditável.”
Enquanto preparava a tese, entrou para a vida pública em 1966, como assessor de Antonio Delfim Netto, então secretário da Fazenda de São Paulo. Quando Delfim foi nomeado ministro da Fazenda, no ano seguinte, Pastore integrou a equipe de comunicação e assessoria da pasta.
Em 1968, fez parte da delegação do governo brasileiro na reunião do FMI (Fundo Monetário Nacional), em Washington, Estados Unidos. Em 1979, assumiu a Secretaria de Fazenda do estado de São Paulo. Em 1983, a presidência do BC.
A crise do endividamento teve origem, principalmente, em dois fatores, como destacou o próprio Pastore: a alta dos juros nos EUA e o aumento da dívida externa brasileira para financiar investimentos por meio de empresas estatais.
A tarefa do Banco Central era tirar o Brasil da situação de precariedade na qual se encontrava, com o país absolutamente quebrado, segundo o economista. “Entrei em meio a uma crise e fui o administrador dessa crise, não fui propriamente um presidente de banco central”, afirmou em 2016.
Na época, Pastore relatou sua grande frustração no comando do Banco Central: não poder fazer política monetária. Primeiro, pela necessidade de priorizar a política cambial (sem controle, a inflação iria ao patamar de 100% ao ano).
Segundo, porque a política monetária era de responsabilidade do CMN (Conselho Monetário Nacional), instituição que na década de 1980 contava também com a participação de representantes do setor privado.
Em 2021, lançou seu último livro, “Erros do passado, soluções para o futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século 20”. Na época, afirmou que o país corria o risco de perpetuar alguns desses erros se Jair Bolsonaro ou Lula vencessem as eleições do ano seguinte.
Em 2022, o economista assinou manifesto em favor da candidatura de Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra no governo Lula, à Presidência. “Sou muito cético em relação ao Brasil com um desses dois ganhando a presidência. Não sou cético em relação à terceira via”, afirmou à Folha na época.
REPERCUSSÃO
O presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn, lamentou a morte de Pastore. “Estou muito triste com a morte de Afonso Celso Pastore. Ele foi um grande amigo, inspirador e parceiro. O Afonso Pastore foi o maior expoente e promotor do foco na ciência para a análise de políticas econômicas, no uso da evidência para avaliarmos, aprendermos e implementarmos políticas e reformas que venham a beneficiar as sociedades que servimos”, afirmou.
Goldfajn recordou a criação de um centro para debate ao lado de Pastore. “Ele sempre esteve sempre à frente do seu tempo, desde os primeiros anos na USP, passando por sua larga e profícua carreira até quando tive a honra de com ele e outros colegas criar o Centro de Debate de Política Públicas (CDPP). Sentirei muita falta do Pastore e mando condolências a todos os familiares e amigos”, disse o economista, que presidiu o Banco Central entre 2016 e 2019.
Em nota, o CDPP afirma que Pastore teve enorme impacto na formação de várias gerações de economistas. “Foi Presidente do Banco Central e se tornou um intelectual público na melhor acepção do termo: engajado em debates nos mais variados fóruns, capaz de traduzir a teoria econômica para o grande público, aberto a novas ideias, mas sem jamais abrir mão da coerência e do rigor acadêmico. Impressionava a todos que o conheciam pela firmeza de opiniões e retidão moral.”
A Secretaria da Fazenda de São Paulo também lamentou a morte do economista e ex-secretário. “Pastore é reconhecidamente um dos economistas mais renomados do país. O secretário Samuel Kinoshita e o corpo de servidores da Sefaz-SP estendem suas condolências à família desse incansável estudioso das políticas econômicas que tanto se dedicou pelo país.”
“O Brasil perde um importante pensador e economista. Além de ser um estudioso das nossas questões econômicas, também teve relevante trajetória pública, atuando em momentos-chave, como na negociação da dívida externa brasileira quando era presidente do Banco Central. Deixa um relevante legado intelectual e uma lacuna no debate econômico nacional”, afirmou Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).



