ELEONORA DE LUCENA E STÉFANIE RIGAMONTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morreu neste domingo (18) o empresário Abilio Diniz, que criou um império com o Grupo Pão de Açúcar (GPA), aos 87 anos. Um dos maiores líderes do mundo corporativo brasileiro, Abilio estava internado no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
O empresário começou a passar mal durante viagem que fez a Aspen, no Colorado, Estados Unidos, e precisou voltar ao Brasil às pressas em um avião adaptado com uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
“É com extremo pesar que a família Diniz informa o falecimento de Abilio Diniz aos 87 anos neste domingo, 18 de fevereiro de 2024, vítima de insuficiência respiratória em função de uma pneumonite. O empresário deixa cinco filhos, esposa, netos e bisnetos, e irá ao encontro do seu filho João Paulo, falecido em 2022. Desde já, a família agradece a todas as mensagens de apoio e carinho”, diz a nota divulgada pela família.
A morte acontece um ano e meio depois de Abilio perder seu filho, João Paulo Diniz, aos 58 anos, após um mal súbito. Na época, o empresário disse que a perda foi o golpe mais duro que poderia receber. “Estou sem chão”, disse em uma publicação nas redes sociais. “A dor que sinto é inexplicável”.
Abilio Diniz construiu um império no varejo. Com o Pão de Açúcar, tornou-se um dos homens mais ricos do país, personificando uma era de sucesso das empresas familiares com influência em governos. Viu de perto crises em seu negócio, enfrentou uma feroz disputa familiar e um sequestro.
A desnacionalização do mercado, com a entrada de competidores estrangeiros, acabou levando o conglomerado a ser engolido pela globalização. O Pão de Açúcar foi comprado em 2005 pelo Grupo Casino, que atualmente está endividado e pretende vender suas filiais sul-americanas: o GPA e o colombiano Éxito. No caso deste último, o Casino já conseguiu vender todas as ações.
Após a venda do Pão de Açúcar, Abilio foi para outro lado do balcão: a indústria de alimentos. Não foram transições fáceis, mas eivadas de estridentes embates com parentes, sócios, governos, executivos.
Atualmente, Abilio era vice-presidente do conselho de administração no Brasil da também rede francesa de supermercados Carrefour, que recentemente apresentou uma oferta para assumir uma rede de 7.000 unidades locais pertencentes ao Grupo Casino, segundo o jornal de negócios francês Les Echos.
O empresário também era presidente do conselho de administração da Península Participações, a empresa de investimentos que pertence à sua família.
Obcecado por exercícios físicos e pela alimentação saudável, Abilio nutria uma imagem de juventude, força e resistência. Sua devoção aos esportes começou no tempo de garoto, quando jogava peladas na rua Tutóia, zona Sul de São Paulo, onde o pai tinha uma padaria. Depois, o negócio foi para a Liberdade e Abilio passou a jogar na Várzea do Glicério. Baixinho e gordinho, era hostilizado pelos colegas.
“Não havia dia em que eu voltasse para a casa (…) sem ter sofrido algum tipo de humilhação”, contou o empresário em seu livro autobiográfico “Abilio Diniz, Caminhos e Escolhas – o Equilíbrio para uma Vida Mais Feliz”. Foi aí que o empresário decidiu aprender judô, caratê, capoeira e musculação. “Passei a ser respeitado na Várzea do Glicério”, afirmou.
Goleiro, passou a se interessar por outras modalidades: foi campeão de polo a cavalo, tricampeão de motonáutica e vice-campeão universitário de levantamento de peso. Por levantar barras tão pesadas quanto ele mesmo, sofreu uma lesão na coluna. “Levantar peso é um esporte meio besta”, avaliou depois.
Primeiro dos seis filhos do imigrante português Valentim dos Santos Diniz (1913-2008), Abilio nasceu em São Paulo em 28 de dezembro de 1936. Um pouco antes, em 1932, surgira a ideia do autosserviço, do supermercado nos Estados Unidos da grande depressão, um comerciante resolveu acabar com o balcão para cortar custos e baratear as mercadorias.
Abilio se formou na segunda turma de administração da FGV (Fundação Getulio Vargas), em 1959, no mesmo ano em que seu pai abriu a primeira loja do Pão de Açúcar. Foi quando o primogênito entrou no mundo dos negócios: “Eu me entusiasmei e resolvi ser especialista em comércio varejista”, contou Diniz.
Fez estágios em supermercados nos EUA e na França. Em 1963, foi inaugurada a segunda loja em São Paulo e, dois anos depois, a empresa comprou mais três unidades da rede SirvaSe, a pioneira em autosserviço no país. Em 1967, o grupo já tinha 20 pontos de comércio; em 1969, 50. Em 1971, a empresa se tornava a maior organização de vendas a varejo na América do Sul.
A ascensão vertiginosa da companhia levou Abilio ao convívio com o poder. Em 1979, ele opinava positivamente sobre o ministério do general João Baptista Figueiredo, o último governante da ditadura militar. Classificava Delfim Netto como um “vaidoso” e palpitava sobre a hipótese de o Brasil ter Luiz Inácio Lula da Silva no Ministério do Trabalho.
Amigo de Mário Henrique Simonsen (1935-1997), Abilio foi levado ao CMN (Conselho Monetário Nacional). Conforme a recessão se ampliava e o regime cambaleava, o empresário foi se afastando do governo.
Em 1981, avaliou que parte dos empresários tinha se beneficiado do período do “milagre econômico” no Brasil, mas enxergava uma “ruptura entre o empresariado e a tecnoburocracia”.
Para ele, o “milagre econômico” tinha sido um período de acumulação que não voltaria e que tinha beneficiado apenas alguns. “Quem é contra a abertura é contra o capitalismo; regime fechado e capitalismo não combinam”, afirmou.
Apoiou inicialmente Aureliano Chaves (1929-2003) na transição do regime, defendendo que o então vice-presidente “ganharia eleições diretas pelo PDS contra Leonel Brizola ou qualquer outro candidato, com exceção de Tancredo”. Crítico da política econômica, foi defenestrado do CMN e acabou apoiando Tancredo Neves.
No governo José Sarney, o Pão de Açúcar foi acusado de remarcar preços de forma indevida e de sonegar o abastecimento de óleo de soja. Abilio negou as irregularidades. Seu amigo e colaborador Luiz Carlos Bresser-Pereira chegou ao Ministério da Fazenda.
No dia 11 de dezembro de 1989, sua vida deu uma guinada. Dirigia seu Mercedes-Benz branco de casa para o trabalho quando teve o caminho bloqueado. Uma falsa ambulância o fechou pela frente; um opala branco bateu na traseira de seu carro.
Havia três anos que Abilio aprendera a atirar. Dois sequestros já tinham chocado o meio empresarial: o de Antonio Beltrán Martinez, vice-presidente do Bradesco, em novembro de 1986, e o do publicitário Luiz Salles, da Salles Interamericana, em julho daquele ano.
“Equipei meus carros com armas em posição estratégica de saque. Treinei o saque. Sou um sujeito esportista, em excelentes condições de treinamento, condições físicas e passei a andar o mais alerta possível”, relatou. Previdente, fazia trajetos diferentes para se deslocar.
Quando percebeu que era vítima de um sequestro, sacou a arma e ficou em posição de tiro. Mas foi dominado pelo grupo e levado a um sobrado na praça Hachiro Miyazaki, no Jabaquara, na zona Sul de São Paulo. Passou 153 horas no cativeiro.
Abilio foi libertado pela polícia no dia da eleição presidencial. Não pôde votar em Fernando Collor, como pretendia. “Eu não me superestimei. Eu subestimei o adversário”, disse. “Foram os piores momentos da minha vida, mas passou”, avaliou então.
Outros momentos dramáticos estavam à espreita. Acostumado com o crescimento impulsionado pela fórmula inflação alta e ganhos na ciranda financeira, o Pão de Açúcar entrou em parafuso com o confisco de Collor e a recessão que se seguiu.
O grupo beirou a concordata e encolheu quase pela metade: demitiu 22 mil funcionários, fechou 270 lojas e vendeu imóveis. Chegou a ser oferecido no mercado internacional por US$ 400 milhões. Não conseguiu nem um lance de US$ 200 milhões.
Os resultados financeiros do grupo despencaram. Foi a deixa para que a efervescente disputa familiar entre os seis filhos do patriarca Valentim viesse a público. Sônia e Arnaldo entraram na Justiça contra ações do irmão Abilio no comando da empresa. A matriarca Floripes também foi a tribunais.
“Nós já formamos um clã cuja norma era lavar roupa suja em casa. Agora a roupa suja é tanta que teríamos que usar uma lavanderia”, declarou Sônia em abril de 1992. “Abilio fez investimentos desastrosos”, afirmou Arnaldo em janeiro de 1993.
“A tarde da briga em que se selou o rompimento da família foi um dos meus piores momentos. Havia trabalhado duro para construir o Pão de Açúcar. Não parei para pensar na fragilidade de minha situação dentro da empresa. Quando os problemas começaram, me vi completamente isolado”, avaliou Abilio mais tarde.
Em 1994, um acordo de mudança acionária acabou enterrando a disputa. Os irmãos Arnaldo, Sônia e Vera venderam suas participações no grupo para Abilio. Lucilia ficou com uma parte da companhia; Alcides (morto em 2006, aos 63 anos) já havia deixado o grupo.
Abilio passou a ter o completo poder na empresa. Abriu o seu capital e saiu em busca de um sócio estrangeiro. Em 1999, o Casino adquiriu participação relevante de 25% do total do capital do Pão de Açúcar. Os negócios se recuperaram.