SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enólogos e sommeliers costumam usar uma expressão curiosa para indicar a melhor forma de interessados por vinhos passarem a conhecer mais sobre a bebida. Tão importante quanto estudar na teoria aspectos tradicionais e históricos sobre o cultivo das uvas e sua transformação em vinho, ou entender a influência da região de produção e as técnicas de vinificação, é preciso ter “litragem”.
“Tem que colocar o vinho na boca, sentir os aromas e os sabores. Para entender de vinho é preciso aprender na prática”, defendeu Daniel Perches, sócio do evento Encontro de Vinhos, durante a edição mais recente organizada por ele, no sábado (20), na Casa das Caldeiras, na zona oeste.
Se fazer isso pode ser caro e demorado, exigindo investimento e dedicação para comprar garrafas, beber e aprender mais sobre elas, eventos de degustação têm se tornado mais populares no país ao permitirem acelerar e baratear este processo. São exposições em que o visitante compra um ingresso, recebe uma taça de vinho e circula entre estandes de produtores, importadores e revendedores experimentando várias garrafas da bebida para conhecer na prática (e na boca) os vinhos apresentados por eles.
É isso que se chama informalmente de ganhar “litragem”: experimentar vinhos avaliando suas características e criando um repertório próprio. “É uma forma de cada um conhecer seu gosto, saber o que acha mais interessante beber”, diz Perches.
Feiras e eventos deste tipo têm ganhado espaço ao aproximar os consumidores (mesmo os menos experientes) ao mercado de vinho. Somente no segundo semestre de 2023, a capital paulista recebeu eventos como os da importadora Mistral, da revista Adega, da Prowine e do próprio Encontro de Vinhos.
A experiência pode funcionar como um curso intensivo sobre a bebida na prática. Pelo preço de uma única garrafa de um bom vinho (a partir de cerca de R$ 100) é possível conhecer dezenas de rótulos diferentes de uma só vez. Além da degustação é possível comprar as garrafas de que o visitante mais goste, por preços que começam em torno de R$ 50.
“É quase como uma consultoria. A pessoa passeia pelo local, conhece apaixonados por vinhos que atuam no mercado, conversa sobre a bebida e degusta os diferentes rótulos”, argumenta Perches.
Ao contrário de feiras voltadas para especialistas do mercado, o Encontro tem se destacado por ser mais informal e acolhedor para um público iniciante. Durante o evento mais recente, a Folha de S.Paulo abordou quase todos os cerca de 40 expositores alegando não saber nada sobre a bebida, e recebeu informações empolgadas e detalhadas sobre os países, suas regiões e vinhedos, as uvas e os processos de preparo. Para isso, usavam linguagem mais simples, acessível para quem está só começando no mundo dos vinhos.
Mesmo sem ter experiência, o visitante poderia buscar conhecer vinhos mais valorizados pelo mercado e de preço mais alto -às vezes quase inacessível. Para isso, a organização do evento faz um teste às cegas com os vinhos que os expositores consideram destaques a cada edição. E os visitantes recebem um folheto indicando o “top 5”, com as melhores garrafas que podem ser conhecidas mesmo por quem nunca pagou mais de R$ 50 por um vinho para beber em casa.
O Amorino Montepulciano dAbruzzo (que costuma ser vendido por R$ 300) foi considerado o melhor europeu tinto da edição, enquanto o argentino Contramano Tannat (R$ 220) foi o melhor tinto do “novo mundo”. Entre os brancos, o Poggio del Cardinale Est Est Est (R$ 117) foi eleito o melhor do velho mundo e o uruguaio Mataojo (R$ 50), o melhor do novo mundo.
Se o objetivo do evento é fornecer “litragem”, a reportagem conseguiu experimentar 78 vinhos diferentes ao longo de quatro horas, o que é uma experiência muito bem-sucedida para ajudar um novo bebedor de vinhos (embora seja importante não engolir todos e beber bastante água nos intervalos).
Mas a grande variedade de vinhos em exposição pode tornar a degustação um tanto confusa, e acabar fazendo com que algumas pessoas passem do ponto. É por isso que Perches sugere frequentar o evento com objetivos específicos. “O visitante pode vir para experimentar apenas um tipo de vinho, por exemplo. A pessoa pode focar só os brancos, os espumantes, só tintos de um país específico ou apenas uma uva. Há mais de 30 opções de cabernet sauvignon disponíveis, por exemplo, o que permite ganhar bastante conhecimento sobre ela de forma rápida”, explica.
Era fácil perceber que seria possível fazer uma seleção assim apenas com vinhos brasileiros, argentinos, italianos, chilenos por exemplo. Ou então conhecer a produção de países menos famosos pela bebida, como Bolívia, Bulgária e Moldávia.
Apesar de se falar sobre litros de vinho, a ideia do evento não é embriagar ou encher a cara. Nas degustações, cada vinho é servido em doses bem pequenas (menos de 20 ml), o suficiente para um ou dois goles, suficiente só para conhecer a bebida. Especialistas que frequentam esses encontros muitas vezes preferem cuspir a bebida depois de degustar, para evitar o consumo excessivo de álcool.
“Não é uma balada. A maioria das pessoas está aqui para aprender, para ganhar conhecimento. Percebemos que muitas pessoas consomem a bebida de forma consciente, e preferem o lado educativo da experiência”, diz Perches.