Melatonina não cura insônia e pode prejudicar a saúde se usada em excesso

Victória Pacheco

SÃO PAULO
Para muitos brasileiros, dormir não é uma tarefa tão simples quanto parece. De acordo com estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as doenças relacionadas ao sono, incluindo a insônia, atingem impressionantes 72% da população. Da meditação aos remédios controlados, são diversas as alternativas buscadas por quem deseja dormir melhor. Uma delas é a suplementação de melatonina. Porém, é necessário tomar alguns cuidados.

A melatonina é um hormônio produzido naturalmente pelo corpo humano. Ela é capaz de estimular o sono e regular o ciclo circadiano, uma espécie de relógio biológico que orienta as atividades diárias do organismo. Produzida e secretada pela glândula pineal, no cérebro, a melatonina prepara o corpo para dormir quando os estímulos luminosos diminuem.

“É um hormônio regulador de ritmo, que sinaliza para o organismo que a noite chegou”, explica Israel Pompeu, neurologista e colaborador do Ambulatório de Sono do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Em 2021, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso da melatonina para a formulação de suplementos alimentares, comercializados sem receita. A venda era permitida desde 2017, mas somente com indicação médica e em farmácias de manipulação.

Quando a suplementação é recomendada?
O suplemento de melatonina é indicado para tratar transtornos do ciclo circadiano -quando o relógio biológico está desalinhado com os horários externos. Um exemplo é o atraso da fase de sono, que faz com que os horários de adormecer e de despertar ocorram mais tarde do que o convencional.

“Muitas vezes, os pacientes só conseguem dormir muito tarde e acham que têm insônia, quando, na realidade, sofrem essa alteração”, observa Ícaro Grandesso, otorrinolaringologista e especialista em medicina do sono.

Outro exemplo é o distúrbio comportamental do sono REM, caracterizado por movimentos corporais repentinos e vocalizações durante a fase do sono em que acontecem os sonhos. Há, também, o jet lag, alteração no horário de dormir devido à mudança de fuso horário.

Segundo os especialistas, a suplementação também pode ser benéfica para idosos, que produzem o hormônio em menor quantidade. Entretanto, é necessário analisar caso a caso.

“Notamos, ainda, respostas positivas para crianças no espectro autista. Mas isso se deve ao fato de que elas, em geral, se enquadram nos transtornos de ritmo circadiano, pois têm o sono desregulado”, diz o neurologista Israel Pompeu.

Além de ajudar a reduzir a latência, o tempo gasto para adormecer, a melatonina pode proporcionar um descanso mais reparador. Esse foi o motivo que levou o estudante de jornalismo Reginaldo Ramos, 23, a buscar a suplementação:

“Comecei a usar a melatonina quando tinha 18 anos, porque só conseguia dormir muito tarde, apesar de me deitar cedo. Quando não tomava, acabava acordando muitas vezes de madrugada e me sentia cansado”, relata.

Embora seja eficaz para regular o ritmo circadiano, a melatonina não trata a insônia. “Até hoje, não existe uma recomendação formal, mesmo que, em alguns casos, haja uma boa resposta”, pontua Israel. “Para ser considerada um tratamento para a insônia, a melatonina precisaria cumprir uma série de critérios, com vários estudos e estados clínicos. Ainda não se tem isso”.

Contraindicações
A melatonina é contraindicada para mulheres grávidas ou que estejam amamentando e indivíduos que dirigem ou operam máquinas. Pessoas com problemas como doenças cardiovasculares e hepáticas devem consultar um profissional de saúde antes de usá-la. O mesmo se recomenda a quem utiliza imunossupressores e anticoagulantes.

“Às vezes, as pessoas se automedicam, porque têm a sensação de que a melatonina, por ser produzida pelo organismo, é natural e não gera riscos”, nota João Gallinaro, psiquiatra com especialização em medicina do sono.

Porém, quando em excesso, o hormônio pode provocar náusea, tontura, vômito, sonolência durante o dia, pesadelos, dor de cabeça e até agravar quadros de depressão.

Dose padrão e evidências científicas
A Anvisa recomenda um consumo diário máximo de 0,21 mg. Em outros países, os valores são maiores. No Reino Unido, a recomendação oficial é de que problemas de sono de curto prazo sejam tratados com 2 mg diariamente. Para problemas de longo prazo, a dose pode chegar a 10 mg.

Já nos Estados Unidos, a dose diária indicada geralmente não ultrapassa 5 mg, conforme constatou um estudo publicado no periódico científico Jama Network.

Além disso, em 2020, a Anvisa publicou uma análise sobre a segurança e a eficácia da melatonina. O documento, que serviu de base para a discussão regulatória, traz um compilado de revisões sistemáticas de estudos.

Uma das revisões analisou dez ensaios clínicos com 984 indivíduos e constatou que a melatonina foi eficaz na prevenção e redução do jet lag. Outra observou 17 estudos com 284 pessoas, concluindo que a melatonina aumentou a eficiência do sono em 3,3% e a duração total em 13,7 minutos.

Já uma revisão de 19 estudos com mais de 1.600 indivíduos apontou que a melatonina ajuda na redução da latência, no aumento do tempo total e na melhora da qualidade do sono.