RENATA NAGAMINE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Saúde formou um grupo de trabalho para elaborar a primeira política de saúde para migrantes, refugiados e apátridas com escopo nacional, que deve entrar em vigor em junho de 2024. Hoje há ações voltadas para essas populações sob responsabilidade de prefeituras, mas sem uma política nacional que as articule e promova em todo o país.
A portaria 763, de 2023, estabeleceu que o grupo é formado por dois representantes de cada uma das seis secretarias da pasta e dois da assessoria especial de assuntos internacionais.
De acordo com o documento, organizações não governamentais podem ser consultadas, mas não há previsão para a participação direta e regular de migrantes, refugiados e apátridas na elaboração da política.
A ausência é objeto de discussão entre representantes dessas populações com o ministério.
Segundo James Berson, sanitarista haitiano e pesquisador em saúde e migração na Faculdade de Medicina da USP, o Brasil é o único país da América do Sul e do Caribe que não tem uma política nacional de saúde para esses grupos.
“O Brasil pode aumentar seu soft power construindo uma política que traga os migrantes da vigilância sanitária para a promoção do direito universal à saúde no país”, diz.
Os principais desafios são a língua e a cultura. “Essas diferenças costumam requerer mediações em todo o trânsito dessas pessoas pelo SUS (Sistema Único de Saúde)”, afirma Rossana Rocha Reis, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Tatyana Friedrich, diretora do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça, segue na mesma linha.
“Estamos atuando com o Ministério da Saúde para informar à ponta [a atenção primária do SUS] que vai chegar uma população com dificuldade de falar português, que não tem letramento em doença tropical, não vai ter o mesmo documento. Chega cidadão de país que não tem sistema universal. É uma interculturalidade à qual temos de estar atentos”, afirma.
Para responder a esses desafios, a Saúde prepara um programa de capacitação dos trabalhadores municipais, estaduais e federais do SUS.
O Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) contribui com a difusão de práticas já implementadas em cidades como Porto Alegre, Belém e Rio, entre outras iniciativas destinadas a preencher lacunas de informação.
AGENTES DE SAÚDE MIGRANTES
Cidades brasileiras já contratam migrantes, refugiados e apátridas para atuar no SUS. Em São Paulo, há 20 deles entre os 9.800 agentes de saúde, de acordo com a secretaria municipal.
A angolana naturalizada brasileira Honorina Lemba, 42, foi agente de saúde e hoje é agente social contratada pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, a Bompar, uma organização social de saúde parceira da prefeitura. Em três anos na entidade, atendeu migrantes e brasileiros em situação de rua. Nas duas funções, conectou-os ao sistema.
Honorina atende a pessoas em situação de rua e no centro temporário de acolhimento. Um dos assistidos é uma jovem angolana que está há um ano no Brasil. As duas conversam em chócue, idioma do leste do país africano.
De acordo com Felipe Proenço, diretor de programa da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do ministério, “é necessária uma competência cultural para conversar com essas populações para garantir que elas se sintam próximas do sistema de saúde”.
Trabalhando como agente de saúde com a UBS Parque Novo Mundo, o indígena venezuelano Gamar Antônio Abaduca Vera, 37, conta que atende a migrantes e refugiados, inclusive indígenas, com frequência. São principalmente bolivianos e venezuelanos.
Contratado pela Bompar durante a pandemia, ele conheceu o SUS primeiro como usuário. No sistema, começou a tratar sua hipertensão e diabetes tão logo chegou a Manaus, em 2018. “Minha mãe é doente e eu falo para ela: ‘Mãe, vem para cá, que aqui você vai receber tudo de graça’. Mas meus pais não querem vir, porque tenho irmãos lá e para o indígena é muito forte abandonar sua terra”, afirma.
Um fator importante no sucesso do tratamento dos pacientes que atende, segundo Gamar, é ter domicílio fixo. “O paciente que tem domicílio vai à consulta. No caso de quem não tem, às vezes chegamos para levá-lo e ele não vai. Nossos pacientes são usuários que hoje nos recebem bem e amanhã nos tratam de outro jeito, inclusive com agressividade”, diz.
A saúde dessas populações é uma preocupação global. Em junho de 2023, o Brasil aprovou, com outros 49 países, a Declaração de Rabat, no Marrocos, com diretrizes para políticas de saúde voltadas a migrantes e refugiados. O documento dá especial atenção à saúde primária.
De acordo com Proenço, representante brasileiro no Marrocos, o ministério prepara medidas para a implementação da declaração. Entre elas estão ações de educação em saúde para qualificar equipes na atenção primária e a cooperação com a Justiça para ações de enfrentamento do tráfico de pessoas.

RENATA NAGAMINE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Saúde formou um grupo de trabalho para elaborar a primeira política de saúde para migrantes, refugiados e apátridas com escopo nacional, que deve entrar em vigor em junho de 2024. Hoje há ações voltadas para essas populações sob responsabilidade de prefeituras, mas sem uma política nacional que as articule e promova em todo o país.

A portaria 763, de 2023, estabeleceu que o grupo é formado por dois representantes de cada uma das seis secretarias da pasta e dois da assessoria especial de assuntos internacionais.

De acordo com o documento, organizações não governamentais podem ser consultadas, mas não há previsão para a participação direta e regular de migrantes, refugiados e apátridas na elaboração da política.

A ausência é objeto de discussão entre representantes dessas populações com o ministério.

Segundo James Berson, sanitarista haitiano e pesquisador em saúde e migração na Faculdade de Medicina da USP, o Brasil é o único país da América do Sul e do Caribe que não tem uma política nacional de saúde para esses grupos.

“O Brasil pode aumentar seu soft power construindo uma política que traga os migrantes da vigilância sanitária para a promoção do direito universal à saúde no país”, diz.

Os principais desafios são a língua e a cultura. “Essas diferenças costumam requerer mediações em todo o trânsito dessas pessoas pelo SUS (Sistema Único de Saúde)”, afirma Rossana Rocha Reis, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Tatyana Friedrich, diretora do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça, segue na mesma linha.

“Estamos atuando com o Ministério da Saúde para informar à ponta [a atenção primária do SUS] que vai chegar uma população com dificuldade de falar português, que não tem letramento em doença tropical, não vai ter o mesmo documento. Chega cidadão de país que não tem sistema universal. É uma interculturalidade à qual temos de estar atentos”, afirma.

Para responder a esses desafios, a Saúde prepara um programa de capacitação dos trabalhadores municipais, estaduais e federais do SUS.

O Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) contribui com a difusão de práticas já implementadas em cidades como Porto Alegre, Belém e Rio, entre outras iniciativas destinadas a preencher lacunas de informação.

AGENTES DE SAÚDE MIGRANTES

Cidades brasileiras já contratam migrantes, refugiados e apátridas para atuar no SUS. Em São Paulo, há 20 deles entre os 9.800 agentes de saúde, de acordo com a secretaria municipal.

A angolana naturalizada brasileira Honorina Lemba, 42, foi agente de saúde e hoje é agente social contratada pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, a Bompar, uma organização social de saúde parceira da prefeitura. Em três anos na entidade, atendeu migrantes e brasileiros em situação de rua. Nas duas funções, conectou-os ao sistema.

Honorina atende a pessoas em situação de rua e no centro temporário de acolhimento. Um dos assistidos é uma jovem angolana que está há um ano no Brasil. As duas conversam em chócue, idioma do leste do país africano.

De acordo com Felipe Proenço, diretor de programa da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do ministério, “é necessária uma competência cultural para conversar com essas populações para garantir que elas se sintam próximas do sistema de saúde”.

Trabalhando como agente de saúde com a UBS Parque Novo Mundo, o indígena venezuelano Gamar Antônio Abaduca Vera, 37, conta que atende a migrantes e refugiados, inclusive indígenas, com frequência. São principalmente bolivianos e venezuelanos.

Contratado pela Bompar durante a pandemia, ele conheceu o SUS primeiro como usuário. No sistema, começou a tratar sua hipertensão e diabetes tão logo chegou a Manaus, em 2018. “Minha mãe é doente e eu falo para ela: ‘Mãe, vem para cá, que aqui você vai receber tudo de graça’. Mas meus pais não querem vir, porque tenho irmãos lá e para o indígena é muito forte abandonar sua terra”, afirma.

Um fator importante no sucesso do tratamento dos pacientes que atende, segundo Gamar, é ter domicílio fixo. “O paciente que tem domicílio vai à consulta. No caso de quem não tem, às vezes chegamos para levá-lo e ele não vai. Nossos pacientes são usuários que hoje nos recebem bem e amanhã nos tratam de outro jeito, inclusive com agressividade”, diz.

A saúde dessas populações é uma preocupação global. Em junho de 2023, o Brasil aprovou, com outros 49 países, a Declaração de Rabat, no Marrocos, com diretrizes para políticas de saúde voltadas a migrantes e refugiados. O documento dá especial atenção à saúde primária.

De acordo com Proenço, representante brasileiro no Marrocos, o ministério prepara medidas para a implementação da declaração. Entre elas estão ações de educação em saúde para qualificar equipes na atenção primária e a cooperação com a Justiça para ações de enfrentamento do tráfico de pessoas.