SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os tratamentos para o câncer de mama têm avançado, com aumento de sobrevida, mas persistem os desafios sobre como lidar com a dor crônica decorrente da cirurgia de retirada da mama, condição que pode afetar entre 40% e 70% das pacientes e que, não raramente, leva a sintomas depressivos.
Uma estratégia anestésica desenvolvida por pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês (SP) conseguiu aliviar essas dores, segundo recente estudo publicado na revista Nature.
A técnica associa um bloqueio de nervos da região das mamas à anestesia geral rotineiramente usada na cirurgia. Por meio de um ultrassom guiado, são aplicados medicamentos anestésicos locais para bloquear a condução do estímulo doloroso pelos nervos em pontos específicos na região mamária.
Os resultados mostram que a redução da dor ocorre tanto no período pós-cirúrgico quanto até um ano depois do procedimento período em que as mulheres foram acompanhadas no estudo.
Os sintomas de depressão também foram bem menores nas pacientes que tiveram o bloqueio associado à anestesia geral: 20% contra 50% daquelas que receberam apenas a anestesia.
A técnica, incorporada nas cirurgias de mama do Sírio e de outras instituições públicas e privadas do país, está sendo estudada em outras situações. Pacientes com fraturas de fêmur têm recebido um bloqueio de nervos periféricos antes mesmo da cirurgia para aliviar a dor.
O trabalho dos pesquisadores do Sírio começou em 2018 e envolveu 49 mulheres com câncer de mama submetidas à mastectomia total (retirada das mamas). Um grupo recebeu apenas anestesia geral (procedimento padrão), e o outro recebeu também anestésico local em regiões específicas, como entre os músculos peitorais e abaixo do músculo serrátil, localizado entre as paredes laterais do tórax.
“A ideia era garantir que conseguíssemos pegar uma enervação que abrangesse a mama inteira. Hoje a gente discute quais as melhores combinações de bloqueios, mas já está claro que a anestesia sozinha não é mais o padrão ouro. O padrão ouro é o bloqueio junto”, explica a neurocientista Raquel Martinez, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Sírio e da Faculdade de Medicina da USP.
Para ela, uma das vantagens é o baixo custo da técnica. “Não é uma coisa cara. Precisa ter um ultrassom, um equipamento que já existe. Mas é fundamental ter capacitação, treinamento.” O estudo faz parte de um projeto apoiado pela Fapesp e também recebeu recursos do Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS).
Em 2018, as mulheres que receberam o bloqueio anestésico apresentaram redução dos indicadores de dor após 24 horas da cirurgia. “A gente percebeu que, com diminuição da dor, elas precisaram de menos opioides”, diz Martinez.
As pacientes continuaram sendo acompanhadas e, um ano depois, foi observada também uma redução de dores em outras partes do corpo entre aquelas que receberam o bloqueio associado à anestesia geral. Quem só recebeu a anestesia geral precisou de mais analgésicos após a cirurgia.
A pesquisadora explica que, quando se realiza o bloqueio do nervo periférico com o anestésico local, a condução do impulso nervoso fica bloqueada por horas, deixando de disparar a sinalização da dor durante a cirurgia. “Isso acaba tendo um efeito duradouro.”
Para Martinez, avançar em soluções para aliviar a dor crônica nas mulheres após tratamentos de câncer de mama tem impacto direto na melhoria da saúde mental. “A dor gera o que a gente chama de comportamento doloroso, uma situação que leva à ansiedade e sintomas depressivos. Com menos dor, ela terá uma melhor qualidade de vida.”
Há outras causas atribuídas à dor crônica após uma mastectomia, como o acúmulo de líquido (linfedema) nos tecidos próximos aos gânglios linfáticos removidos durante a cirurgia. Isso resulta em inchaço, dor e sensação de peso no braço afetado.
Por causar desconforto contínuo e dor no braço, essa condição pode também levar a uma perda de flexibilidade e amplitude de movimento no ombro do lado em que ocorreu a remoção da mama.
Segundo o mastologista José Luiz Bevilacqua, cirurgião oncológico do Sírio-Libanês, também é muito comum a paciente apresentar desconforto após a mastectomia, especialmente a bilateral, causado pela perda da sensibilidade.
“É como se uma faixa do tórax estivesse anestesiada. A paciente sente como se fosse um aperto. Dependendo do grau da ansiedade e da depressão, sofre muito com isso.”
Nesses casos, uma das recomendações é que a paciente faça uma autoestimulação na região operada olhando para um espelho. “A gente orienta passar a mão em cima da nova mama, fazendo um treinamento do cérebro para diminuir essa sensação.”
A psicóloga Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, lembra que a dor após uma cirurgia de câncer de mama pode ser multifatorial.
“A retirada da mama traz um impacto físico e emocional muito grande, mexe absurdamente com a questões de feminilidade e sexualidade da mulher.”
Para ela, um dos pontos centrais é que essa dor da mulher mastectomizada ainda não é valorizada. “Por mais que técnicas como o bloqueio anestésico sejam importantes, é preciso um olhar integral para essa dor para que ela não perdure.”
Holtz conta o caso de uma paciente, enfermeira, que está tentando se aposentar devido à dor crônica que sente após a mastectomia. “A grande queixa dela é essa dor que persiste e que está sendo superdesvalorizada pelo perito [do INSS].”