PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A poeta paulista Luiza Romão pôs fogo na Flip nesta sexta calma, não é mais uma catástrofe a se abater sobre o evento depois da tempestade e do apagão da quinta-feira.
É que sua participação no debate desta tarde ao lado do cubano Marcial Gala foi tão vigorosa que inflamou toda a plateia. A autora, que venceu o prêmio principal do Jabuti no ano passado, já começou o evento emocionada, com a voz tremendo, mas com muito a dizer.
Saudou a Flip por, na figura de Pagu, clamar por “dignidade humana em um tempo com tantas tecnologias de morte operando”. O livro de Romão, “Também Guardamos Pedras Aqui”, da Nós, retorna a histórias clássicas gregas para discutir o morticínio de hoje.
Não é preciso ir muito longe para fazer isso, argumentou a poeta, dá para começar na vice-presidente eleita da Argentina, “que nega a gravidade da ditadura militar”.
“Até hoje tem gente escavando o deserto do Atacama para encontrar a mandíbula de um pai ou irmão desaparecido. Não tem nada pior que não saber o que aconteceu com a pessoa que você ama.”
E o trabalho de sua literatura, completa ela, é ajudar a “escavar para encontrar pedras que podemos jogar contra esse grande monumento de morte ocidental”.
Mas nem foi esse momento inicial o mais incendiário o palco se acendeu mesmo quando Romão, que é atriz e nasceu nos saraus de slam, se levantou para ler um trecho de sua obra sobre as mulheres de Troia, colada logo depois da tradução brasileira de “Me Chama de Cassandra”, o romance de seu colega de mesa que saiu pela Biblioteca Azul.
Por essa concatenação natural e de fortíssima eloquência, que rendeu um monólogo arrepiante sobre o esmagamento das mulheres desde os primórdios, já ficou evidente a relação entre a obra dos dois.
Gala também recorre a cenas e personagens da mitologia grega para enquadrá-los num olhar contemporâneo que define como “afro-cubano e sobretudo caribenho”. Ele contou que sua formação vem das leituras clássicas e que, na escola, já citava contra amiguinhos versos como “que penda contra sua cabeça a espada de Dâmocles”.
A retórica de Gala, contudo, soou bem mais monocórdia e demorada que a de Romão, mas a competição contra a vivacidade da atriz e poeta era difícil.
A Flip continua até a noite desta sexta e vai até domingo com mesas nas programações principal e paralela.