SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A onda de calor que vem colocando a capital paulista à beira de um apagão reflete erros que grandes cidades cometeram e seguem cometendo em relação ao planejamento do tipo de edificação que é a base da expansão urbana.
Ao incorporar aos seus edifícios tecnologias como o ar-condicionado, a cidade abandonou técnicas construtivas que reduzem a exposição do interior ao imóvel à luz solar e, por isso, diminuem a necessidade de sistemas de refrigeração com alto consumo de energia, segundo especialistas em arquitetura, urbanismo e engenharia civil ouvidos pela Folha.
Maior cidade do país, São Paulo tem em seus edifícios históricos bons exemplos desse tipo de adaptação, segundo Anália Amorim, arquiteta e professora da Escola da Cidade e da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.
Projetados na metade do século passado, quando aparelhos de refrigeração de ar ainda estavam se popularizando, essas construções possuem um dispositivo que é pouco utilizado na atualidade: os quebra-sóis.
Feitos em cerâmica como tijolos finos e furadinhos, por exemplo, de madeira ou outros materiais, são conjuntos de placas colocados numa fachada de um edifício para reduzir a incidência direta dos raios solares.
Amorim afirma que a legislação urbanística da cidade deveria oferecer estímulo à tecnologia que favorece o sombreamento de edifícios. “É preciso estimular os quebra-sóis porque isso reduz a entrada do calor, direto, e a irradiação”, diz.
Exemplares da arquitetura modernista, prédios como Copan, Itália e Renata Sampaio Ferreira, todos na região central de São Paulo, possuem esses dispositivos, conta o arquiteto Gustavo Cedroni, cujo escritório é especializado na requalificação de imóveis antigos.
“Nossa arquitetura moderna foi exemplo em sustentabilidade, que usavam os quebra-sóis como técnica para o conforto térmico”, disse.
Na contramão, os edifícios envidraçados se multiplicaram por décadas em novas regiões, inclusive com incentivos do poder público, como é o caso da avenida Brigadeiro Faria Lima.
A via enfrentou oscilações de energia em meio ao aumento recorde do consumo de energia provocado pela onda de calor.
Estímulos mencionados pelos especialistas são, na verdade, incentivos financeiros, normalmente por meio da redução de taxas e tributos, para que o mercado imobiliário passe a produzir imóveis em padrão e em áreas que atendem aos interesses de desenvolvimento da cidade.
Na metade deste ano, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a Câmara Municipal revisaram o PDE (Plano Diretor Estratégico) aprovado na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Responsável por direcionar o crescimento da cidade, o PDE terá vigência até 2029.
Menções à mudanças climáticas foram incluídas no planejamento durante a revisão, mas especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que faltam apontamentos práticos como, por exemplo, a criação de estímulos específicos para a adaptação de prédios ao calor extremo.
O envidraçamentos de prédios é um exemplo de erro que a cidade estimulou, ao menos indiretamente, e não corrigiu na revisão do PDE. A legislação oferece um estímulo financeiro às varandas também chamadas de varandas gourmet, pois não entram na conta da aplicação da taxa que a prefeitura cobra das construções que têm área construída maior do que o terreno.
Tais varandas acabam sendo incorporadas à área do edifício por meio dos fechamentos de sacadas com grandes lâminas de vidro, obrigando o proprietário à instalação de aparelhos para refrigeração do ar. “Do jeito que estão sendo projetadas, as varandas não ajudam a amenizar o calor, pelo contrário, viram pequenas estufas”, reforça Amorim.
Se algumas oportunidades foram perdidas na revisão do Plano Diretor, outras ainda podem ser aproveitadas durante a revisão da Lei de Zoneamento, atualmente em discussão na Câmara.
Engenheira civil especialista em adaptação climática, a professora da FAU-USP Denise Duarte sugere a ampliação da chamada quota ambiental. Trata-se de uma regra que impõe exigências como permeabilidade do solo, áreas verdes e piscininha para armazenamento de água da chuva no subsolo dos prédios como um piscinão, mas em escala inferior.
Atualmente, 47% dos terrenos da cidade não são obrigados a cumprir essa regra porque ela só é aplicada a lotes com mais de 500 metros quadrados, diz Duarte, citando levantamento do seu aluno, Pedro Casara Luz, graduando da POLI e da FAU-USP.
Aplicar a quota ambiental em lotes menores ajudaria a cidade a suportar as ondas de calor e outros eventos provocados pelas mudanças climáticas, como as tempestades, segundo Duarte.
Há, porém, diversas alternativas a serem discutidas e aprimoradas para a adaptação das cidades ao aquecimento global, segundo Lisiane Ilha Librelotto, engenheira civil e professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
“A geração de energia a partir da instalação de painéis na cobertura ou mesmo nas fachadas é uma estratégia, mas existem outras formas de geração também”, diz Librelotto.
“Pequenas turbinas eólicas, geração de energia pela digestão de biomassa. Isso vale também para captação de água, que pode auxiliar na retenção em situações de enxurradas e enchentes”, completa a professora.
Ela cita também a ampliação de áreas verdes, como os parques urbanos, porque contribuem para a redução das ilhas de calor urbanas. “A vegetação tem um papel muito importante na redução do efeito estufa, na absorção de água, no sombreamento de vias.”
Reconhecido por sua militância em defesa de questões ambientais, Gilberto Natalini assumiu na metade deste ano como secretário-executivo de Mudanças Climáticas da Prefeitura de São Paulo.
Ele afirmou à Folha que a prefeitura vem trabalhando para se tornar mais resiliente às mudanças climáticas e que possui 43 metas e 54 ações voltadas à mitigação e à adaptação, algumas a serem atingidas já a partir do próximo ano.
“Temos praticamente cem por cento das secretarias da cidade envolvidas com a aplicação do Plano Climático de São Paulo”, disse, sobre o projeto criado na gestão Bruno Covas (PSDB) para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.