BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Apesar de o ministro Fernando Haddad (Fazenda) já ter dito que a prorrogação da desoneração da folha viola dispositivos da Constituição, não há um entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) firmado sobre o tema, apontam especialistas em direito tributário.
No mês passado, o Congresso aprovou um projeto de lei que prorroga por mais quatro anos a chamada desoneração da folha salarial, uma espécie de incentivo fiscal dado a 17 setores da economia.
A medida aguarda sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A desoneração foi implementada como medida temporária em 2012 e vem sendo prorrogada desde aquela época.
Atualmente, tem validade até 31 de dezembro deste ano, mas o projeto aprovado estende o benefício até o fim de 2027.
Em 2020, ainda sob o governo Jair Bolsonaro (PL), a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com uma ação no Supremo contra a prorrogação da desoneração até o fim de 2021.
À época, apenas o ministro Ricardo Lewandowski votou, contra o pleito do governo. O ministro se aposentou em abril deste ano.
“Deve ser prestigiada a interpretação conferida pelo Congresso Nacional, no exercício de suas atribuições constitucionais, quando, por ampla maioria, deliberou por manter o regramento ora impugnado, inexistindo qualquer vício de constitucionalidade a ser declarado”, disse, à época, Lewandowski em seu voto.
Segundo o ministro, a reoneração poderia levar a uma série de demissões. Mas o processo foi paralisado pelo pedido do ministro Alexandre de Moraes para levar o caso, que até então era analisado virtualmente, ao plenário físico.
O caso não voltou a julgamento até o fim de 2021 e o Congresso aprovou novo adiamento da desoneração até o fim de 2023.
Por isso, o Supremo declarou perda de objeto da ação e a encerrou sem julgamento. Ou seja, entendeu que a norma questionada pela AGU ao STF, a desoneração até o fim de 2021, já havia expirado.
Advogados consultados pela Folha veem a possibilidade de o governo Lula repetir o procedimento da gestão Bolsonaro no caso do novo adiamento da desoneração. Ou seja, esperar a lei entrar em vigor para questionar a sua constitucionalidade no Supremo.
“Nos parece que a estratégia do atual governo seja a mesma do anterior, de postergar ao máximo a publicação da lei [já aprovada pelo Legislativo] e posteriormente discutir judicialmente a questão”, diz o tributarista Luis Claudio Yukio Vatari, do Toledo Marchetti Advogados.
Também tributarista, Leonardo Roesler, do escritório RMS, diz que o Supremo, “ao longo de seu histórico jurisprudencial, não firmou um entendimento único acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da desoneração da folha de pagamentos de forma genérica, tratando cada caso conforme suas especificidades”.
“É relevante mencionar que, em decisões pontuais, o STF já se posicionou favoravelmente à desoneração da folha em determinadas situações, considerando-a um instrumento válido de política fiscal e econômica, não contrariando o texto constitucional”, disse.
“Todavia, cada decisão se sustenta em um contexto fático-jurídico específico, não podendo ser generalizada.”
Ariane Guimarães, sócia da área de tributário do escritório Mattos Filho, afirma que, no caso, “não há precedentes de mérito, mas há o enfrentamento da questão de maneira tangenciada”.
Ela vê, no entanto, “uma série de diretrizes, marcos de precedentes, de maneira esparsa, chancelando esta possibilidade de prorrogação da contribuição substitutiva sobre a receita”.
O argumento de setores da Fazenda contra a nova prorrogação é que há um impedimento na reforma da Previdência de 2019 para a criação de contribuições substitutivas desse tipo.
Com a desoneração, empresas deixam de pagar contribuições previdenciárias, o que reduz o valor arrecadado para bancar aposentadorias. Isso, segundo o argumento de integrantes da área técnica do governo, seria inconstitucional depois da reforma.
Apesar disso, o advogado João Claudio Leal, coordenador da área de tributário do SGMP Advogados, afirma que “há diversas decisões do STF em que se concluiu que a prorrogação de normas tributárias ou de tributos provisórios não é o mesmo que criação”.
Os 17 segmentos contemplados pelo projeto da desoneração da folha são calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
A prorrogação da desoneração da folha para os 17 setores econômicos representa uma redução de R$ 9,4 bilhões no pagamento de tributos dessas empresas.