SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ataque nuclear limitado aos silos que guardam os mísseis com ogivas atômicas dos Estados Unidos colocaria em risco de contaminação radioativa mais de 300 milhões de pessoas. No pior dos cenários, 4,6 milhões morreriam nos primeiro quatro dias de exposição.
É o que aponta um novo estudo sobre o apocalíptico tema, que andou fora de moda desde o fim da Guerra Fria e agora está no noticiário constantemente, seja pelas ameaças feitas pela Rússia de Vladimir Putin no contexto de seu confronto com o Ocidente, seja pela expansão nuclear da China ou pelas tensões na península coreana.
Ele foi publicado nesta terça (14) pela revista norte-americana Scientific American, como parte de um conjunto de reportagens de sua edição de dezembro que busca desestimular o governo dos EUA a renovar seu arsenal de ICBM (mísseis balísticos intercontinentais, na sigla inglesa) mantidos em silos terrestres.
Ele forma, ao lado de ogivas em mísseis e bombas lançadas de aviões e dos modelos disparados por submarinos, a chamada tríade nuclear, que existe desde os anos 1960.
Em 1978, o chefe do Estado-Maior da Força Aérea, Lew Allen Jr, criou a chamada teoria da esponja, segundo a qual a existência de alvos fixos obrigaria os rivais, então a União Soviética, a despejar uma quantidade proibitiva de seus mísseis para inutilizá-los –daí a metáfora da absorção. Enquanto isso ocorresse, aviões e submarinos poderiam retaliar contra os soviéticos. O risco desestimularia o inimigo de atacar.
Esse cenário previa apenas a troca de fogo nuclear entre instalações militares, destrutiva o suficiente, e não levava em conta aquilo que é visto como inevitável por planejadores: uma escalada que envolva cidades e indústrias como alvo –tal temor manteve em dois os ataques atômicos até hoje, ambos feitos pelos EUA contra o Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Na Guerra Fria, ela era chamada de equilíbrio do terror ou MAD, sigla inglesa para destruição mutuamente assegurada, ou “louco” naquela língua. As tensões do mundo se renovaram e o Pentágono anunciou em 2017 um plano de revitalização de todo seu arsenal nuclear por 30 anos, estimado em valores atuais em US$ 1,5 trilhão (R$ 7,4 trilhões) por 30 anos.
Novas ogivas nucleares estão sendo desenhadas, inclusive para o míssil Sentinel, que deverá substituir até a década que vem os 400 modelos Minuteman-3 que dormem em silos em cinco estados no centro-norte do país. Eles já foram mil, mas estão limitados pelo último tratado de controle de armas estratégicas, aquelas que visam encerrar guerras por obliteração de grandes áreas, suspenso por Putin neste ano.
A Scientific American já tinha publicado estimativas da dispersão de partículas radioativas decorrente de um ataque a essas bases em 1976 e 1988, e desde 1990 Washington parou de divulgar tais estudos. Assim, o pesquisador Sébastien Philippe e uma equipe do Programa de Ciência e Segurança Global da Universidade Princeton voltaram aos computadores.
Foram feitas simulações de ataques em todos os dias de 2021, levando em conta os padrões de vento em cada ocasião. Foi escolhido um impacto de 800 quilotons, ou mais de 50 bombas de Hiroshima, usualmente associado a três explosões de ogivas potentes dos arsenais russo e chinês, em cada 1 dos 450 silos dos EUA –50 nunca estão municiados.
Na leitura mais otimista da dispersão, no ataque de 1º de julho, 340 mil pessoas morreriam em até quatro dias pela exposição à radioatividade carregada pelas partículas levantadas com os cogumelos atômicos. Na mais fatal, 4,6 milhões pereceriam após uma ação hipotética em 2 de dezembro. Na média do ano todo, 1,4 milhão de mortos.
Philippe calculou o caso mais pessimista para cada dia do ano e o ampliou em um mapa, sugerindo o raio máximo de dispersão de quantidades que vão de 0,001 gray, o limite máximo anual que uma pessoa pode receber de radiação sem ter danos à saúde, e 84 gray, a dose para as populações de estados próximos às bases atacadas. O gray equivale a 1 joule, medida de energia, de radiação por cada quilo corporal.
O resultado é uma sombria imagem de altas doses por quase todos os EUA (340 milhões de habitantes), parte do Canadá (40 milhões ao todo) e norte do México (130 milhões). Mais de 300 milhões, a maioria americana, poderiam ser expostos a algum nível potencialmente fatal de radiação.
E é uma simulação conservadora, dado que uma guerra nuclear global muito provavelmente escalaria para uma troca envolvendo a destruição de capitais e centros industriais importantes. Philippe ainda lembra que há risco de acidentes nas bases, o que não é levado em conta pelos militares.
“A Força Aérea precisa ser muito mais transparente acerca dos riscos reais de seu arsenal de mísseis nucleares baseados em terra, para que o público americano possa tomar decisões informadas acerca de viver com esse perigo por mais meio século”, escreveu.
Em outros textos na sua nova edição, a Scientific American explora a retomada de construção de núcleos de plutônio e a vida nas cidades próximas dos silos, no Colorado, Wyoming, Nebraska, Montana e Dakota do Norte. Em editorial, a revista conclui que será melhor se os EUA cancelarem a perna terrestre da tríade nuclear, dados os riscos apontados.
A sequência de más notícias acerca da segurança nuclear do planeta parece infindável, mas houve uma boa: a retomada de conversas de controle de armas entre China e EUA, grandes rivais na Guerra Fria 2.0. O tema poderá ser conversado entre os líderes dos países, Joe Biden e Xi Jinping, que devem encontrar-se nesta quarta (14).
Os chineses têm, segundo a Federação dos Cientistas Americanos, 320 ogivas. Ainda estão distantes de Rússia e EUA, que concentram 90% das 12,5 mil armas nucleares do mundo, com cerca de 3.500 estratégicas prontas para uso.