SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O semblante apavorado de um sauá ao ser socorrido reflete uma realidade assustadora. Por ano, 30 mil animais são atropelados, em média, nas rodovias paulistas, como o primata ameaçado de extinção, atingido em setembro passado em uma estrada de Bragança Paulista (a 85 km de São Paulo).
O número médio de animais atropelados em São Paulo de 2018 a 2022 faz parte de uma minuta elaborada por uma câmara técnica liderada pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado), com diretrizes para elaboração e implementação de um plano de mitigação de atropelamento de fauna em rodovias.
“Trata-se, portanto, de uma situação que é preocupante do ponto de vista ambiental e pode ser ainda mais crítica se for considerado que esses atropelamentos são subestimados” diz o documento governo estadual e concessionárias afirmam que o número de ocorrências envolvendo animais em estradas tem registrado sucessivas quedas nos últimos anos.
Atualmente, o projeto está em fase de consulta pública, prevista para ser encerrada no próximo sábado (18).
A câmara ambiental é formada por órgãos do governo paulista, Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), Ministério Público e representantes de rodovias e especialistas em biodiversidade.
O plano de mitigação é dividido em sete itens, que preveem a adoção de medidas estruturais, como construção de passagens de fauna, cercamento e adequação do sistema de drenagem de rodovias e outras ações, que vão de educação ambiental a formação de parcerias com prefeituras e organizações não-governamentais.
A expectativa é de que o novo regramento seja publicado no primeiro semestre de 2024.
“Esse processo contém as diretrizes para realização de estudos e implantação de medidas para a redução de perda de biodiversidade em toda malha rodoviária do estado, incluindo as rodovias concessionadas e as administradas pelo DER [Departamento de Estradas e Rodagem]”, diz a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, que abriga a Cetesb.
Para o engenheiro agrônomo Jorge Bellixe de Campos, presidente da Associação Mata Ciliar, centro de recuperação de animais silvestres com unidades em Jundiaí e Araçatuba e para onde são levados bichos atropelados em todo o estado, é preciso atenção para as medidas não serem simplistas demais.
Segundo ele, não adianta o responsável por uma rodovia aproveitar uma passagem subterrânea de água já existente e transformá-la em uma para animais, somente para cumprir obrigação.
“É preciso um levantamento isento das questões de travessias de fauna”, diz. “Mas são medidas que têm impacto positivo, claro. Qualquer coisa que se faça para evitar atropelamentos é bem-vinda.”
Entre investimentos que devem ser feitos, aponta, estão treinamentos e compra de equipamentos. “Existe um despreparo grande do pessoal que faz o atendimento nas rodovias.”
Segundo o governo, o projeto busca normatizar ações, prevendo melhorias no processo de licenciamento das rodovias e adequação da operação das atuais.
Para Campos, assim, a resolução vai especificar o que hoje não é obrigatório para essas empresas. “O que elas alegam que não estava em contrato” afirma.
Para o engenheiro mecânico e ambiental Osnir Giacon, gerente de meio ambiente e sustentabilidade da concessionária Entrevias, o regramento para preservação da fauna em rodovias é urgente.
Estudioso e palestrante do assunto, Giacon cita como exemplo o deslocamento de uma onça-parda, estimado, segundo ele, em cerca de 25 km² por dia. “Ela pode atravessar uma rodovia com passagem de animais e ser atropelada em outra estrada próxima que não tem proteção alguma”, afirma.
Giacon é um dos responsáveis pelo desenvolvimento de uma passagem específica para anfíbios, inaugurada em agosto em Assis (a 434 km de SP), durante a duplicação da rodovia Rachid Rayes.
“Havia um grande número de atropelamentos de sapos e salamandras naquela região onde fica a Floresta Estadual de Assis”, diz o engenheiro.
Com 60 cm de diâmetro, a passagem subterrânea é bem menor que as demais para animais da rodovia (em média, com 1,5 metro de diâmetro) e tem direcionamento por meio de cercas. Em épocas de chuva, a água de um lago próximo é drenada para o interior da estrutura.
A concessionária monitora dez passagens da fauna por câmeras, que desde fevereiro registraram o deslocamento de mais de 450 animais de 34 espécies, como onça-parda, lontra e jaquatirica.
O plano de mitigação é uma das frentes para redução do número de ocorrências envolvendo animais em rodovias, inclusive domésticos.
Uma outra, do governo estadual, prevê investir R$ 33 milhões em 114 passagens de faunas em rodovias administradas pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens).
No caso das vias sob concessão privada de São Paulo, atualmente existem 424 dessas passagens instaladas e há outras 81 em implantação.
Entre as estruturas, há um viaduto vegetado construído em 2018 na rodovia dos Tamoios, principal ligação para o litoral norte paulista, quando a estrada ainda não estava sob concessão.
Com 10 metros de largura e 50 metros de comprimento, a estrutura, a primeira do tipo no estado, tem cobertura composta por vegetação rasteira e mudas nativas.
Há um ano o local é monitorado em tempo integral, as câmeras do local registraram no período 53 animais silvestres, como cachorro-do-mato, jaguatirica e lobo-guará.
Para a veterinária Cristina Harumi Adania, coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar, os responsáveis por rodovias devem estar preparados para o que ocorre além do acostamento da estrada, pois é para lá que correm os animais em épocas de queimada de cana ou quanto a máquina abre terreno para construção de um condomínio. “Esse olhar para o entorno é importante.”
A própria minuta do plano de mitigação explica que além dos atropelamentos, as rodovias podem provocar um efeito barreira, que impede animais de alcançarem seus habitats do ouro lado, isola populações e ameaça a persistência de espécies.
Somente a Mata Ciliar recebeu até setembro deste ano, cerca de 140 animais atropelados em rodovias paulistas.
Entre os bichos socorridos estava o sauá atingido em Bragança Paulista com fratura na coluna e sem conseguir movimentar nenhum dos dois membros pélvicos, o bicho teve de passar por eutanásia.