BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Membros do Ministério da Justiça e Segurança Pública, pasta comandada por Flávio Dino, receberam neste ano a esposa de um homem apontado como líder do Comando Vermelho do Amazonas.
Luciane Barbosa Farias é casada com Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas. Suspeito de ser um dos principais criminosos do Amazonas, ele está preso desde dezembro do ano passado. A informação foi revelada inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Luciane Farias esteve no ministério em março. Ela se encontrou com o secretário de Assuntos Legislativos no Ministério da Justiça e Segurança Pública, Elias Vaz. Já em maio ela esteve com Rafael Velasco, secretário da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), também vinculada à pasta.
Vaz disse nas redes sociais que, em março, recebeu solicitação de audiência de Janira Rocha, ex-deputada estadual no Rio de Janeiro e vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal) do estado.
Rocha foi ao encontro acompanhada por duas mães e por Luciane Farias. “Na ocasião, recebi os documentos anexos, nenhum tratando de casos ocorridos no estado do Amazonas. Quanto à sra. Luciane, ela estava como acompanhante da advogada Janira Rocha, e se limitou a falar sobre supostas irregularidades no sistema penitenciário”, disse Vaz.
O ministro Flávio Dino negou ter se encontrado com a esposa de membro do Comando Vermelho.
“Nunca recebi, em audiência no Ministério da Justiça, líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho. De modo absurdo, simplesmente inventam a minha presença em uma audiência que não se realizou em meu gabinete”, disse o ministro, nas redes sociais.
Para Janira Rocha, há uma exploração política sobre o caso.
“O que existe é a utilização desse movimento para atacar o governo. Para nós, ali todo mundo é familiar de preso e está buscando pelos direitos fundamentais das pessoas encarceradas, nós não defendemos facções criminosas. Luciane estava lá porque faz parte da Anfap [Articulação Nacional de Familiares de Presos]”, disse.
Para sustentar essa perspectiva de utilização política, Rocha destacou que, durante o governo Bolsonaro, tanto ela como mães de detentos, incluindo Josefa Amaro da Silva Oliveira, mãe de Márcio Amaro de Oliveira, conhecido como Marcinho VP, foram pessoalmente recebidas pelo presidente para discutir a situação da Covid no sistema prisional.
Após a repercussão do caso, a pasta ampliou o rigor de acesso. Entre as novas regras, segundo portaria editada nesta segunda pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, será exigido que somente sejam liberados para compromissos pessoas que comuniquem o nome de todos os participantes e acompanhantes da agenda com antecedência mínima de 48 horas.
O pedido de agenda deverá ser encaminhado via e-mail institucional à unidade organizacional responsável, para avaliação, com informações que incluem o CPF de cada participante. Caso não ocorra o agendamento prévio, a pessoa será recebida na recepção do ministério para identificação, devendo aguardar autorização da autoridade responsável pela agenda.
Nesta segunda (13), o ministro Flávio Dino lançou a Força Penitenciária Nacional, corporação ligada à Secretaria Nacional de Políticas Penais. Após o evento, Dino não participou da coletiva e deixou Vaz sozinho dando explicações.
Antes do evento, segundo Vaz, Dino ligou para ele e chamou sua atenção. “Ele não ficou satisfeito, chamou a minha atenção e disse que eu teria que tomar cuidado com as pessoas que eu recebo. Eu falo isso de forma pública porque eu preciso tomar uma posição mais cautelosa”, disse.
O secretário assumiu toda a responsabilidade sobre o fato e disse que ficou sabendo de quem se tratava pela imprensa. Foi Vaz quem solicitou ao secretário Rafael Velasco que também recebesse o grupo.
“Eu quero lamentar esse episódio. Primeiro, se teve algum erro, esse erro foi de minha parte por não ter feito uma verificação mais profunda das pessoas que recebi”, disse Vaz.
Farias também se encontrou com outros parlamentares neste ano, como o deputado André Janones (Avante), que foi se defender nas redes sociais.
“Naquele 16 de março, foram em meu gabinete diversas mulheres que se apresentaram como representantes de associações civis em defesa dos direitos humanos, bem como duas mães que tiveram os filhos vítimas de crimes e aguardam por Justiça. Eu não tenho absolutamente nada a esconder”, comentou na postagem.
Deputados pediram que Dino seja convocado a prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados.
“Quero saber qual a relação do ministro Flávio Dino e do Comando Vermelho. Fizemos a convocação e o pedido de impeachment do ministro da Justiça. O ministério não deveria se misturar com membros perigosos de uma organização criminosa, como o Comando Vermelho”, disse o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), nas redes sociais.
Vaz disse que o movimento de parlamentares para a convocação não passa de “oportunismo”.
A segurança pública vem sendo um dos pontos de atenção do governo desde que Lula assumiu. O tema passou a causar mais preocupação após estados comandados por aliados do presidente aparecerem entre os mais violentos. A Bahia, por exemplo, comandada por Jerônimo Rodrigues (PT), passou por uma onda de violência histórica em setembro, com mais de 50 mortos por PMs.
Com a escalada da violência, Dino chegou a anunciar no início de outubro um plano de enfrentamento ao crime organizado, mas até o momento não houve um detalhamento de como a proposta será implementada. Na mesma data do anúncio, assinou portaria para reforço da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e envio da Força Nacional ao Rio.
A falta de uma resposta mais efetiva colocou Dino na mira e reascendeu o debate acerca da divisão do Ministério da Justiça em dois, separando-o da Segurança Pública.