SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É possível dizer que Roger Waters criou um monstro. O show que o cantor e músico inglês apresenta na noite do sábado (11) no Allianz Parque, em São Paulo, é monumental, é grandioso. As quase 40 mil pessoas na arena do Palmeiras ficam impactadas numa noite inesquecível, mas recebem tantas informações sensoriais durante a apresentação que chega a ser extenuante.

Waters fundou o Pink Floyd, uma das bandas mais ousadas na história do rock, que nunca teve freio algum na experimentação delirante, na concepção daquilo que se convencionou chamar de música psicodélica. O show de Waters é realmente um desafio para a sensibilidade da plateia. Em todos os momentos há algo a ser escutado, algo a ser visto ou lido, algo a ser sentido na própria vibração corporal.

Em sua quinta turnê pelo Brasil desde sua primeira vinda, em 2002, está de pé o desafio de fazer cada vez um espetáculo mais ostensivo. Se em 2012 ele construiu um muro no palco, referência a “The Wall”, para depois botá-lo abaixo, e em 2018 a panfletagem política transformou cada apresentação em um comício sonoro contra Bolsonaro e congêneres, desta vez ele une psicodelia e ativismo em som, imagens e texto.

Depois de passar por cinco cidades do país, não foi surpresa para ninguém a frase inicial que apareceu no gigantesco telão, como legenda da voz rouca de Waters. Sem firula, ele manda aqueles que gostam do Pink Floyd mas torcem o nariz para seu discurso político que deixem a plateia e fiquem nos bares do estádio.

Não é apenas essa provocação inicial que se repete a cada apresentação. Nos sete shows da turnê “This Is Not a Drill” no Brasil, o último deles no domingo (3), também em São Paulo, a proposta é tudo ser milimetricamente reproduzido. São tantos recursos orquestrados ao mesmo tempo, as canções, as imagens no telão, as luzes que viajam pelo estádio passando por cima da audiência, as mensagens políticas com legendas em português, enfim, é tanta coisa que não há lugar para o improviso.

Assim, são sempre as mesmas 24 músicas em cada apresentação, na mesma ordem e divididas em dois atos com intervalo de 20 minutos entre eles. Dessas músicas programadas, 17 são extraídas dos álbuns do Pink Floyd, restando sete para amostragem do trabalho solo de Waters, que, por mais incrível que seja, é só figuração diante de clássicos como “Money”, “Us and Them” ou “Wish You Were Here”. São momentos que atingem em cheio a memória afetiva das várias gerações de fãs na plateia.

Durante essa comunhão inegável entre artista e público, o estádio é bombardeado com denúncias políticas. Expondo facções oprimidas como mulheres, negros, pessoas trans, palestinos e povos originários, Waters dá nome aos bois chamando inúmeros líderes globais de criminosos de guerra. Nesse quesito de protesto fica aberto o espaço para uma crítica ouvida entre muitos presentes na arena: é falação demais!

Para prestar atenção nessas derivações musicais, é preciso abstrair um pouco a parafernália visual e se ater a Roger tocando vários instrumentos durante o set. Está cercado por uma banda eficiente, mas que nunca será poupada das comparações dos fãs. Persistem as críticas de que falta ali um guitarrista tão bom quanto David Gilmour, ou de que a voz rouca de Waters “estraga” alguns clássicos do Pink Floyd que foram eternizados pelo vocal mais harmonioso de Gilmour.

Dentre textos e imagens, inúmeros tributos carinhosos a seu amigo de infância Syd Barrett, com quem iniciou o Pink Floyd. Ele deixou o grupo antes mesmo do segundo álbum, por problemas de saúde mental. Morto em 2006, esteve mais presente do que nunca no Allianz Parque.

O show praticamente não tem momentos menos interessantes. É impossível ficar indiferente a alguém que levou, e ainda leva, o rock a um outro nível de percepção. Roger Waters tem 80 anos e esta é provavelmente a última turnê dele pelo Brasil.