SÃO PAULO, SP (FOLHAPRES) – Uma das autoras da proposta original da Reforma Tributária, a advogada Vanessa Canado afirma que o texto aprovado no Senado na quarta-feira (8) sofreu alterações para pior que já eram esperadas e que não comprometem os principais pontos do novo sistema de tributação do consumo.
Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e ex-assessora do Ministério da Economia, Canado afirma estar menos preocupada com os problemas causados pelos setores com alíquota reduzida e mais com aqueles contemplados na lista de regimes específicos.
Na tentativa de pagar menos imposto, estes últimos podem abrir mão de um sistema que traria ganhos de produtividade. Estão nessa lista, por exemplo, loterias, hotéis, parques de diversão, bares e restaurantes, clubes de futebol e concessionárias de saneamento e rodovias, entre outros.
Sobre os setores com alíquota reduzida, que têm esse benefício bancado pelos demais contribuintes, afirma que isso também ocorre em outros países com sistemas semelhantes.
Em entrevista à Folha, ela também afirma que os novos tributos vão explicitar a carga tributária sobre o consumo, o que pode gerar problemas para a implantação gradual das novas alíquotas durante o período de transição. Principalmente *Nota nove*
Se o sistema atual é nota 0, ela [nova versão] é nota 8 ou 9. A gente piorou onde a maioria dos países pioram. Agora, se você pensar na proposta original, piorou uns 30%.
Não especialmente por causa dos regimes favorecidos, aqueles que têm redução de alíquota, porque a maioria já era esperada, como saúde, educação, agro, cultura. Claro que o profissional liberal distorceu um pouco.
O que eu achei pior foram os regimes específicos, regimes especiais de tributação. Ali a gente esperava que tivesse bens imóveis e bancos, que são tradicionalmente difíceis de tributar e você precisa de uma outra forma. Os outros que entraram não fazem nenhum sentido e só pioram o sistema.
Agência de viagem e de turismo, transporte em geral, seja aéreo, rodoviário, ferroviário, que não é aquele coletivo urbano que está na alíquota reduzida, corretagem, gestão de ativos. Tudo isso não precisava estar em regime especial.
*Distorções*
Esses regimes especiais distorcem a economia como os tributos atuais distorcem. Vamos supor que uma agência de turismo ache melhor ser tributada em 10% sobre faturamento do que ter uma alíquota de 27% sobre valor agregado. A agência vai comprar todos os insumos, tecnologia, aluguel, serviço de limpeza, de advogado, enfim. Ela vai pagar o IVA e não vai descontar crédito.
O que vai acontecer? Em vez de modernizar seu sistema de tecnologia, por exemplo, ela vai falar: ‘Não, manda aí o TI fazer uma melhorazinha que tá bom’. É isso que acontece com o sistema atual.
O ruim de você estar fora do regime do IVA é que você traz outros setores e outras coisas com você. Se seus clientes são a maioria dos Simples, você não quer o regime tradicional porque eles não vão tomar crédito, você quer o regime de faturamento.
Esses regimes diferenciados vão distorcendo a economia e levam gente com eles. Se eu tenho de pagar menos e outro pagar mais, isso é ruim, mas não distorce decisões de alocação de recursos.
Simplificação do sistema, crescimento do PIB e redução de litígios. Quando eu digo pior, é nesses três pilares. Quando você cria diferenças, cria mais um campo na nota fiscal, mais uma obrigação acessória, mais um litígio para saber se você está ou não no sistema especial. E cria esse efeito secundário, mas importante do ponto de vista econômico, que é a ineficiência alocativa.
*Soluções*
Na lei complementar, há probabilidade de vir menos distorções. Você vai ter a possibilidade de escolher o que vão ser esses regimes diferenciados.
E você pode escolher um que esteja mais neutro, tributando menos o faturamento, por exemplo, e mais o valor agregado de uma outra forma. Pode criar um regime um pouco misto, dar uma melhorada nessa tributação cumulativa.
E nos regimes favorecidos, você pode restringir bastante o alcance. Por exemplo, saúde, em vários países que eu pesquisei o que é isento e o que tem alíquota reduzida, você vê que é bem restrito. Não inclui estética, só inclui atendimento ambulatorial, não inclui, por exemplo, medicamento que se compra fora, não inclui fisioterapia.
Você pode restringir o alcance desses regimes favorecidos. A minha expectativa é que a lei complementar filtre melhor tudo isso.
*Dois tributos*
A gente ainda vai ter algumas dificuldades para lidar com o IVA Dual. A primeira vai ser alinhar os dois tributos, deixá-los iguais. Como vai ter duas administrações tributárias separadas, o Comitê Gestor pode interpretar uma coisa, e a Receita Federal, outra.
Pode ser que eu interprete que estão incluídos todos os medicamentos no conceito de saúde que está na lei complementar, e a Receita Federal diz que está incluído só medicamento que você aplica durante o atendimento ambulatorial, para dar um exemplo. Não tem um órgão que vá uniformizar essa interpretação.
O segundo é que eu não sei como é que esse Comitê Gestor vai se organizar. Quem vai desenhar provavelmente são as administrações tributárias. Não sei como é que eles vão se coordenar, como vão dividir a fiscalização do imposto, como vão harmonizar a interpretação, não só com o Fisco Federal, mas entre eles mesmos.
Claro que o desenho do imposto ajuda muito. Você não vai ter possibilidade de dar benefício, o imposto é no destino, mas a forma de gestão ainda está bem aberta.
*Redução da carga tributária do consumo*
A julgar pelo déficit fiscal à vista, não dá para reduzir. O Brasil, como país de renda média, não arrecada muito na renda, por mais reforma que faça. [Apenas] 10% da população declara Imposto de Renda.
Imposto sobre consumo todo mundo paga. Essa base é muito maior nos países subdesenvolvidos. Se você reduz um pouco no consumo, o impacto na arrecadação é muito grande. É um terço do total.
O que eu acho que vai acontecer é que, conforme você for subindo a alíquota por causa da transição, vai começar uma certa pressão para não aumentar mais.
A União em 2027 vai falar que a CBS é de 10% para substituir IPI e PIS/Cofins. Em 2029, os estados e municípios vão começar o IBS com uns 2% e depois mais 2% a cada ano [chegando a cerca de 8%] até 2032.
Na transição, você vai extinguir 40% da arrecadação antiga e colocar 40% de tributo novo. Os outros 60% vêm tudo de uma vez em 2033.
Você estará pagando os dois [ICMS reduzido e IBS parcial na transição]. O ICMS é aquela bagunça, ninguém sabe exatamente quanto é que está pagando. O IBS, que é o mais transparente, não está tão alto. Aí seria um aumento de 8% para 17%. Quase 10 pontos percentuais.
Não vai ser difícil politicamente? Eu prevejo que vai ter gritaria.
Raio-X
Vanessa Rahal Canado, 42
Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. Doutora em direito pela PUC-SP. Foi assessora especial do Ministério da Economia para reforma tributária e diretora do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal).