MARIA PAULA GIACOMELLI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Shopping Iguatemi, zona sul de São Paulo. Enquanto alguns ainda terminavam o almoço na praça de alimentação, o vai e vem de modelos, maquiadores, cabeleireiros e estilistas ocupava uma área reservada do 3° andar.

De repente, um pequeno burburinho. Formou-se uma rodinha e, no centro, estava a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). De vestido rendado preto, ela estava alguns minutos atrasada para sua agenda do dia.

Nesta sexta-feira (10), porém, nada de discurso no púlpito do Congresso Nacional ou de votações em plenário. Para a parlamentar, que em julho assinou contrato com a Joy Management, agência que representa supermodelos como Lais Ribeiro e Aline Weber, era dia de estrear na passarela da São Paulo Fashion Week (ou SPFW para os íntimos).

Na entrada, apenas umas três pessoas, das muitas que tentavam, conseguiram cliques com a parlamentar. Quem não conseguiu na hora, pediu que os amigos avisassem quando o rebuliço tivesse se acalmado um pouco. Mas também teve quem não a reconheceu. Uma segurança do evento chegou de maneira discreta ao lado da reportagem e perguntou, baixinho, de quem se tratava.

Antes da maquiagem e de trajar o modelo escolhido para a passarela, a deputada conversou com o F5 sobre política, moda e a dicção de milhões, que faz sucesso na internet e virou meme nas redes sociais. Para ela, os cortes e pequenos trechos que se tornaram virais nas últimas semanas são uma forma de aproximar o jovem da política. “Ninguém vai assistir [de maneira espontânea] as assembleias ao vivo”, avalia.

Quando entramos no camarim reservado a ela, Hilton está, como se diz, de cara lavada. Estaria tudo perfeito, se não fosse por uma espinha na testa. “Minha pele está boa, saiu uma espinha hoje porque você sabe, né? O inimigo é sujo e vem hoje quando realmente não poderia”, brinca. “Mas a maquiagem é só para ressaltar o que já é bom, não dá para sair sem beleza, né, amada.”

Aos poucos, nota-se que o jeito expressivo de falar não fica restrito ao ambiente de trabalho. Sua voz altiva toma conta do pequeno espaço e as falas são acompanhas pelo movimento das mãos. “Quando eu entro pela primeira vez na passarela, sendo uma representante das causas que eu represento e do poder legislativo, sinto que mudei não só a minha história, mas a história da política”, afirma.

Última a entrar na passarela da grife Apartamento 03 -no domingo (12), ela ainda desfila pela LED-, a parlamentar tentou manter o rosto neutro e fazer o famoso carão das modelos do evento. Só um sorriso de leve quando olhava ao redor denunciava que estava realizando um sonho.

“Eu sempre quis ser modelo”, afirma. “Quando eu recebi pela primeira vez o convite para participar da São Paulo Fashion Week, para mim, foi como se tivesse sido um reencontro com aquela Erika de 10 anos de idade. É diferente, mas é uma coisa para a qual acho que tenho perfil.”

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

PERGUNTA – Você sempre teve interesse pelo universo da moda?

ERIKA HILTON – Sempre gostei de moda. Eu assistia, quando pequena, ao desfile da Victoria’s Secret na TV, e ficava fissurada nas angels. Tinha também a Naomi Campbell, que era uma referência negra. Então eu sempre gostei e me atraí. Tive uma mãe que foi muito vaidosa, muito antenada com a moda, dentro das limitações dela, mas uma mulher que era diferente das mulheres daquele território. Então, a vestimenta, a moda, as coleções, tendências, cores, texturas e estampas eram coisas que faziam parte da minha infância.

P. – Mas desfilar é algo diferente…

EH – Eu sempre quis ser modelo. Tinha uma coisa quando pequena que eu queria ser artista -e aí achava que eu poderia ser modelo, porque eu era alta e magra. Depois, a vida foi tomando rumos muito difíceis, a minha história foi me levando para lugares que me fizeram esquecer um pouco desse sonho, porque a violência, as precariedades que se impuseram me fizeram pensar que já não cabia mais aquilo, aquilo era uma utopia. E, quando eu recebi pela primeira vez o convite para participar da São Paulo Fashion Week, para mim, foi como se tivesse sido um reencontro com aquela Erika de 10 anos de idade. É diferente, mas é uma coisa para a qual acho que tenho perfil.

Qual é a importância da sua representatividade em uma passarela tão importante quanto essa?

Me sinto realizada de poder resgatar a possibilidade de um sonho juvenil e de unir as coisas que eu gosto ao meu trabalho e ao projeto político que eu tenho para o Brasil. A política, ela não pode ser o que ela é e ela não pode representar o que representa. Ela precisa ser oxigenada, precisa ser renovada e repensada. Fazemos isso interseccionando outras coisas a ela.

Como?

Entendendo que a moda é política, a passarela é política e as marcas são políticas. Então, quando eu entro pela primeira vez na passarela, sendo uma representante das causas que eu represento e do poder legislativo, sinto que mudei não só a minha história, mas a história da política. Eu disse e continuo dizendo que não me adequarei, não me adequo à política. Mas em algum momento eu já me adequei. Muito rapidamente, porque eu achava que aquilo era necessário.

De que maneira?

Não é à toa que eu sou um fenômeno entre jovens. Jovens não tinham interesse por política. E eles não vêm para a política porque pensam “eu quero ver a assembleia”, mas sim porque querem estar com a popstar.

Em algum momento achou que precisava se encaixar?

No início tinha uma questão que me preocupava, pensava: “Será que eu vou ser descredibilizada em algum lugar ou menos respeitada se eu, enquanto deputada, for para uma passarela?”. Por muito tempo, no meu primeiro mandato coletivo na Assembleia [em 2018, ela integrou a Bancada Ativista, grupo de nove pessoas que foi eleito para um mandato compartilhado], eu me castrei na forma de vestir, nas coisas que gostava, porque achava que precisava de determinados comportamentos e códigos para uma certa legitimidade. Só consegui dar esse salto no meu fazer político e na minha representação social quando eu fui autêntica.

Recentemente, você assinou com uma a agência de modelos, em paralelo à carreira política. Pretende seguir por esse caminho ou quer focar mais em uma carreira só?

Não sei ainda. A política é muito desgastante. No momento, quero continuar levando as duas em paralelo, somando elas para se potencializarem. Mas, daqui a 20 anos, talvez eu escolha a moda, uma coisa mais tranquila, mais leve. Por agora eu vou unindo os dois mundos.

Nas redes, você vem se tornando meme por conta de trechos de vídeos com o que o público denomina como uma “dicção perfeita”. Gosta da repercussão que tem na internet? Foi uma estratégia de campanha?

Foi um acaso, não são vídeos que eu postei, alguém que foi lá e fez um corte e vai ganhando as proporções. Esse jovem do meme, ele vai também para a minha rede ver o conteúdo sério. Por isso que eu digo que essa intersecção é fundamental. Tudo bem se está aqui brincando, é o “não tolerarei”, ou remix de Beyoncé, mas eles estão lá. A minha estratégia era “eu preciso fazer com que os jovens se interessem e queiram participar da política”. Como faço isso? Sendo jovem, divertida, fã, brincando, trazendo uma nova estética, usando as redes com leveza, participando de outras atividades, acho maravilhoso porque engaja na política. Mostra que o caminho que venho percorrendo na política não é um caminho à toa.

Você, em algum momento, fez treinamento ou esse jeito foi sempre uma característica sua de falar?

Sou sagitariana com lua em gêmeos, eu digo isso sempre, porque são dois componentes que compõem a fala. Pessoas de sagitário são falastronas, e gêmeos é comunicação. Cresci também em um lar evangélico, então vi muito pastor e muita pregação. E sempre fui uma criança de liderar e de falar. Em peça de teatro e Dia dos Pais, eu sempre me oferecia para falar na frente de todo mundo. Nunca fiz uma aula de oratória ou de dicção, nunca passei numa fonoaudióloga.

Você tem uma equipe para cuidar das suas redes sociais? Possuem planejamento de postagens?

EH – Sim, e temos os melhores horários para as postagens da semana. Nada nas minhas redes é postado sem o meu crivo, eu penso o corpo do texto, mando um áudio, falo o que eu quero que esteja escrito. Às vezes, eu também posto, mas quando é mais cotidiano.

A repercussão nas redes também desperta comentários negativos. Como lida com isso?

Eu parei de ver, começou a me deixar muito mal. Os episódios de violência diminuíram muito. Hoje, se você entra nas minhas redes, o Twitter ainda é uma fossa, mas, ainda assim, agora é muito pontual. No início tinha muita violência, mas judicializamos tudo. A gente não debate e não só bloqueia, a gente printa também. Gastamos energia, tempo e dinheiro porque achávamos que era importante, estava tomando uma escala muito perigosa. Uma escala perigosa de eu não poder ir na academia porque eu tinha que mudar trajeto todos os dias da minha casa, da minha vida. E eu falei “não dá para viver dessa maneira”, porque você começa a entrar em uma atmosfera de pânico, acha que tem alguém te olhando de binóculo da janela da frente e, na verdade, está tudo bem. Mas o medo te paralisa. E sentia muito que era mais uma tentativa de paralisar do que um plano organizado para me matar mesmo. Agora, se você entra nas minhas redes, sou muito mais aclamada. E não vejo mais e não quero saber. Se a equipe acha comentários de ódio, entra no caminho burocrático. Recentemente, escreveram: “Deu para sentir o cheiro de Aids daqui”. Vai ser processado porque é um babaca e idiota, mas a vida segue. Devolvo beleza para eles.