BRASÍLIA, DF, E BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – O governo Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, abriu uma série de processos administrativos contra empreiteiras suspeitas de fraude em licitações da construção da Cidade Administrativa, sede do Poder Executivo do estado.
A obra foi erguida durante o governo do hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB) e inaugurada em 2010, logo antes de o político renunciar ao mandato para se candidatar ao Senado. Foi orçada em R$ 1,2 bilhão e saiu ao custo de cerca de R$ 2 bilhões, em valores da época.
Viraram alvo dos processos da gestão Zema apenas as companhias que não admitiram terem cometido irregularidades à época da concorrência pública.
As três empreiteiras que assumiram irregularidades -Odebrecht (atual OEC, do grupo Novonor), Construtora OAS (atual Coesa) e Andrade Gutierrez- não foram acionadas. Elas firmaram acordos de leniência (espécie de delação de empresas) com o estado e se comprometeram a colaborar com investigações e a pagar pelos prejuízos causados.
O valor total que as três se comprometeram a pagar no acordo é de R$ 374 milhões. Parte do montante é relativa também a fraudes no programa Luz para Todos, da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais).
As informações que foram apresentadas pelas empresas nesses acordos serviram de subsídio para que o estado processasse as demais empreiteiras que atuaram na obra.
A construção da Cidade Administrativa foi recheada de escândalos e de acusações de irregularidades, e o próprio tucano acabou sendo alvo da delação da Odebrecht e denunciado em 2020 com outras 15 pessoas pelo Ministério Público de Minas Gerais, por acusações de supostos crimes como lavagem de dinheiro.
O caso acabou arquivado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), já que as provas da Odebrecht foram consideradas inválidas.
Aécio sempre negou qualquer irregularidade em sua gestão. À época da denúncia, disse em nota que havia “precipitação e absurdo” e que “os preços apresentados na licitação [foram] considerados abaixo dos de mercado pelo próprio MP à época e [a licitação foi] considerada correta por todos os órgãos de controle como TJ e TCE”.
Quando o governo Zema anunciou a leniência com as empresas, no ano passado, Aécio disse que, “sempre que alguma empresa cometer alguma irregularidade que lese o Estado, esse prejuízo deve ser ressarcido”.
“O atual governo e o Ministério Público de Minas Gerais agem de forma correta ao garantir essa reparação”, afirmou em nota, à época.
Os procedimentos do governo Zema foram abertos pela CGE (Controladoria-Geral do Estado) e se chamam PAPs (processos administrativos punitivos).
Nas portarias que iniciam as apurações, a CGE diz que pretende descobrir se as empresas praticaram atos que, conforme a previsão legal, são “ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação” e se não possuem “idoneidade para contratar com a administração em virtude de atos ilícitos praticados”.
São alvo das investigações as empreiteiras Queiroz Galvão, Mendes Júnior, Camargo Corrêa, Construtora Barbosa Mello, Via Engenharia e Santa Bárbara Engenharia.
As apurações da CGE têm um prazo de 180 dias para se encerrarem, a partir da data de publicação da portaria que deu início ao procedimento, de 10 de outubro deste ano.
Nos PAPs, a administração pública investiga e penaliza empresas que tenham praticado algum ilícito, como fraude em licitações.
“É um procedimento formal em que a empresa tem amplo direito de defesa e contraditório. Ao fim, a partir das conclusões da comissão processante, a autoridade competente define a sanção a ser aplicada ou arquiva o processo”, explica o advogado e ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Valdir Simão.
Ele afirma que, no caso aberto pelo governo Zema, a punição para as empresas pode ser impedimento de contratar com a administração pública por até dois anos ou, ainda, a declaração de inidoneidade.
“Com a declaração de inidoneidade a empresa fica impedida de contratar com a administração pública por um período mínimo de dois anos e, além disso, só pode ser reabilitada se vier a reparar eventual dano causado ao erário público. É uma das mais graves sanções aplicadas a uma empresa.”
Como os atos são anteriores a 2014, a possibilidade de punição é mais limitada do que seria após essa data, quando entrou em vigência a lei anticorrupção. Nesses casos, as empresas também poderiam responder a um processo administrativo para aplicação de multa.
Procurada, a Camargo Corrêa informou que foi notificada sobre a instauração do processo e que “está com prazo aberto para análise dos documentos e a apresentação de sua defesa”.
“A Camargo Corrêa ressalta que foi a primeira grande empresa do seu setor a firmar acordos de leniência com as autoridades brasileiras”, acrescentou, sem dizer se de fato irá firmar neste caso.
A Construtora Barbosa Mello disse que, ao longo de 65 anos, “sempre pautou sua conduta pela ética e pelo respeito às normas legais, sendo certificada pela eficácia do seu sistema de gestão de compliance e antissuborno”.
“Em decorrência disso, e ciente de sua conduta íntegra, não firmará qualquer acordo de leniência, exatamente por não ter praticado nenhum ato ilícito”, acrescentou.
“O referido processo administrativo punitivo (PAP) é baseado em delações oriundas de acordos de leniência firmados entre empresas e a Controladoria-Geral do Estado, não existindo provas que envolvam a CBM. No prazo concedido, a empresa apresentará a sua defesa, demonstrando sua idoneidade.”
Também procurada, a Queiroz Galvão informou que não irá se manifestar. A Mendes Júnior não se posicionou. A reportagem da Folha de S.Paulo não conseguiu localizar representantes da Via Engenharia e da Santa Bárbara Engenharia. O Governo de Minas Gerais não se manifestou.