SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pelos corredores sinuosos da política americana dos anos 1950, “Companheiros de Viagem” passeia por um tema que não é exatamente novo. Um dos maiores lançamentos do ano, “Oppenheimer” já se debruçou sobre a caça às bruxas do macarthismo, e não é preciso ir muito longe para encontrar “Trumbo”, “Chaplin” e outros filmes sobre o sufocamento da esquerda pelo governo americano naquela década.

Mas a série que estreia agora no Paramount+ traz frescor ao tema, já que não são questões políticas, e sim comportamentais que transformam seus personagens em vítimas. Ou melhor, alvos, já que o criador Ron Nyswaner, indicado ao Oscar pelo roteiro de “Filadélfia” e roteirista de “Homeland”, prefere distanciá-los do lugar de sofrimento.

“A regra nessa série era que ninguém escreveria, dirigiria ou interpretaria uma vítima, porque falamos de pessoas que sobreviveram. Esses personagens encontram alegria, amor, prazer e ótimo sexo. Não é uma história sobre anos de tristeza”, diz ele em conversa por vídeo.

Essa vida elevada ao máximo é a de um grupo de homens que entrou no caminho da patrulha anticomunista sob a pecha de “subversivos e desviantes”. Eles não eram necessariamente de esquerda, mas se apaixonavam e iam para a cama com outros homens, comportamento tido como imoral pelos conservadores que regiam os Estados Unidos à época.

É um grupo talvez mais perseguido do que os professores, sindicalistas, intelectuais, políticos e artistas de esquerda, e que após o fim do movimento político permaneceu marcado pelo estigma da homossexualidade. Mesmo assim, é pouco lembrado quando o macarthismo vem à tona.

Quem recuperou essa história primeiro foi o escritor americano Thomas Mallon, no romance “Fellow Travelers”. Por isso, o projeto vem gerando burburinho nas redes sociais antes mesmo da estreia, culpa também de seus dois protagonistas bonitões, Matt Bomer e Jonathan Bailey –o primeiro, de “Magic Mike”, o segundo, de “Bridgerton”.

Cenas quentes do trailer se alastraram pela internet tão logo ele foi divulgado, e a série, nesse quesito, não decepciona. Só no primeiro episódio a dupla protagoniza um bom número de momentos de intimidade, gravados, ao mesmo tempo, com delicadeza e selvageria.

Existe, afinal, uma relação de poder naquele sexo, algo quase impróprio, por sua natureza manipuladora. Hawkins e Tim se amam, não há dúvidas, mas o primeiro é um figurão já estabelecido nos corredores da Casa Branca e do Capitólio, que consegue um emprego para o segundo, mais novo e recém-chegado à cidade.

Lá pela metade do episódio inaugural, Hawkins vai à casa de Tim com um rádio, para que seus gemidos não levantem suspeitas entre os vizinhos. Ele acende um cigarro, abre a camisa e reclina numa poltrona, enquanto o amante se põe de joelhos. Ele apoia os pés sobre seu peito e suspira, intensamente, quando os vê sendo beijados e depois engolidos.

O jovem então cola o rosto, vorazmente, na samba-canção de Hawkins, dando beijos e mordiscadas no volume. Conforme a excitação no quarto aumenta, a câmera desliza até o rosto do homem mais velho, que se contorce com o sobe e desce dos cabelos à sua frente.

Carregada de homoerotismo, “Companheiros de Viagem” não poupa o espectador de cenas quentes, mas não se resume a isso. O sexo, diz Nyswaner, era importante para que o espectador entendesse a relação dos dois, tanto amorosamente, quanto na hierarquia dos jogos de poder à sua volta.

Seu romance impossível, mote da trama, se estende até os anos 1980. As linhas do tempo se alternam e, desde o princípio, o público sabe que Hawkins preferiu a segurança de uma bela casa, mulher e filhos, em meio à epidemia de Aids que se alastra entre seus velhos companheiros.

São duas as tragédias para a comunidade LGBTQIA+ que a série retrata –primeiro, a propagada pela patrulha moralista do governo americanos e, depois, a que teve um vírus como vetor. Duas tragédias dentro de um só relacionamento, que ilustra toda uma historiografia queer.

“O governo perseguiu homossexuais nos anos 1950, e esse mesmo governo ignorou e deixou morrer homossexuais nos anos 1980. Eu não faço arte para que as pessoas se sintam confortáveis, mas para refletir a vida. Tristeza, luto, perda são partes da experiência humana”, afirma Nyswaner sobre o tom melancólico de “Companheiros de Viagem”.

“Ninguém liga pra duas pessoas dando as mãos na praia e caminhando sob o pôr do sol. A felicidade não cria muito drama. Mas a tristeza da série não vem de ser gay, mas de ser humano. Eu amo ser gay, tenho feito isso há 40 anos com orgulho, mas eu acho que precisamos transcender nossas identidades e nos conectar como um todo.”

COMPANHEIROS DE VIAGEM

Onde Disponível no Paramount+

Classificação 14 anos

Elenco Matt Bomer, Jonathan Bailey e Noah J. Ricketts

Produção EUA, 2023

Criação Ron Nyswaner