SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Proposta já conhecida entre paulistanos, enterrar a fiação elétrica tem sido a solução apontada para evitar transtornos como o do apagão na capital e na Grande São Paulo na última semana.

O modelo é aplicado em algumas regiões da cidade, como em trechos da avenidas das Nações Unidas e Rebouças. O principal argumento é a proteção dos fios contra chuvas, vento e acidentes com automóveis ou árvores.

Enterrar fios é caro, com estimativas da ordem de R$ 20 bilhões apenas para a região central da cidade de São Paulo, segundo a prefeitura. Já cálculos do setor elétrico apontam que a distribuição subterrânea é oito vezes mais cara do que a por fiação aérea.

Mas São Paulo também tem como desafios intervenções em vias movimentadas, calçadas sem padrão de tamanho e projetos que não engrenaram. A cidade tem, por exemplo, uma lei aprovada em 2005 para que prestadoras de serviço enterrem seus cabos, mas que não é seguida.

SÃO PAULO JÁ TEM FIAÇÃO ENTERRADA?

Sim, em poucas áreas. Atualmente, a opção que também foi adotada por outras grandes cidades, como Barcelona e Nova York, a fiação subterrânea foi aplicada em pouquíssimas áreas de São Paulo, como a avenida Paulista e, mais recentemente, o entorno do Museu do Ipiranga.

De acordo com a Enel, apenas 6% dos 43 mil quilômetros de rede elétrica em sua área de concessão —que inclui a capital e 23 cidades da Grande São Paulo— são enterrados. Segundo a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecom Competitivas (TelComp), os 19.400 km de vias da capital podem ter 100 mil km de redes aéreas de fiação, entre elétricas e de telecomunicações.

COMO É FEITO O ENTERRAMENTO?

As intervenções servem para levar a fiação aérea, em postes, para valas subterrâneas. Isso consiste em obras que vão abrir as valas para a instalação dos dutos com os fios de energia elétrica e telecomunicações. Assim como nos postes, eles passam por transformadores, que vão converter as redes de média tensão, que saem de subestações, para as de baixa, responsáveis pelo abastecimento de imóveis.

Há dois modelos de equipamentos, segundo o professor José Aquiles Baesso Grimoni, do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica (Poli) da USP. Um deles fica acima do chão, fixado a um pedestal de cerca de um metro de altura. “Aqui no campus da USP temos vários.”

Para uma via de cidade, com circulação de pedestres e veículos, o modelo ideal é o de uma cabine subterrânea para os transformadores, com altura de 2 a 3 metros, para que equipes possam fazer reparos. “Todo o material, de cabos e conectores aos próprios transformadores, precisa estar blindado contra água.”

O tamanho do transformador —e da cabine— pode variar de acordo com o número de imóveis que serão abastecidas por uma determinada linha.

QUAIS AS DIFICULDADES PARA ENTERRAR OS FIOS?

“Imagine parar a Marginal Pinheiros para fazer essa intervenção”, diz Aquiles. “Ou considere faixas de ônibus, ciclovias, tudo isso aumenta as interferências das obras.” Já as empresas, segundo a TelComp, precisam fazer as obras durante à noite, após a concessão de licenças da prefeitura para operação. Ainda, as equipes costumam ter que explicar à polícia o que estão fazendo com cabos durante a madrugada.

O planejamento, segundo o professor da USP, também precisa levar em conta as áreas a serem escavadas, que podem conter de pedras e tubulações em locais diferentes dos previstos.

Aquiles também lembra que falta uma integração entre os diferentes serviços na ocupação do espaço dos postes e no planejamento das intervenções. O tema é objeto de uma proposta que está em discussão entre prefeitura, Ministério Público e empresas para fazer o enterramento simultâneo de fiação elétrica e de telecomunicações.

Já o presidente da TelComp, Luiz Henrique Barbosa da Silva, aponta que o planejamento —ou a falta dele— também interfere em posições de dutos. “A realidade se impõe. Na rua você tem redes de água, esgoto, galerias pluviais e gás”.

“O ideal é ter cerca de 1,20 metro para dutos de energia, mas às vezes se faz com 60 ou 70 centímetros. Temos regras padronizadas, mas há também uma lei da selva subterrânea por causa do crescimento desordenado das cidades.”

POR QUE O ENTERRAMENTO É CARO?

Os custos de uma rede elétrica subterrânea são, em média, oito vezes mais altos do que a fiação aérea, segundo dados da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Assim, aumentar a proteção contra eventos que podem se tornar mais frequentes, como chuvas extremas, requer investimentos, que seriam repassados à conta de luz.

Além das obras para as valas e espaços para transformadores, o equipamento, segundo Aquiles, da USP, é mais caro porque exige blindagem. “É claro, hoje você tem soluções com custo menor do que os de 20 ou 30 anos atrás, como tubulação com um tipo de plástico e a cobertura com terra, para distribuir a pressão. Mas há um custo.”

“Esses parâmetros estão de acordo com os projetos existentes, e a questão sempre volta aos custos, que chegam a ser dez vezes maiores”, diz Acácio Barreto, consultor da FGV Energia. “Só temos rede subterrânea no Rio de Janeiro onde essas redes foram instaladas há 50 ou 60 anos.”

QUANTOS PROJETOS PARA ENTERRAR FIOS EXISTEM EM SÃO PAULO?

A lei municipal que obriga o enterramento pelas empresas é de 2005, da gestão José Serra (PSDB). Esse texto foi questionado na Justiça pelas empresas sob o argumento de que as regras e obrigações devem ser determinadas pela União.

Atualmente em funcionamento, o SP Sem Fio foi lançado em 2017, na gestão João Doria (à época no PSDB), para enterrar 65 km de fiação em 210 ruas da região central e da Vila Olímpia, na zona sul.

Enquanto o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) regulamentou a lei da gestão José Serra, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), lançou um programa contestado pelo Sindicato da Indústria de Energia do Estado de São Paulo (Sindienergia) sob o argumento da competência federal sobre o assunto.

HÁ NOVAS PROPOSTAS?

Desde o início do ano, um grupo de trabalho formado por diversas secretarias da gestão Ricardo Nunes (MDB) avalia com as empresas e o Ministério Público um modelo para levar o enterramento a diferentes bairros da capital que façam o pedido pelo enterramento.

Há três opções em análise para o custeio para esse projeto: a contribuição de melhoria, depois negada por Nunes, recursos de um fundo da Cosip (Contribuição sobre Iluminação Pública) e o caixa da prefeitura.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, mencionou que o seu governo e a gestão do prefeito, assim como outros municípios, enfrentam dificuldade em lidar com os atuais contratos de distribuição de energia porque não são titulares do contrato, firmado com a União nos anos 1990.