SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos 16 anos, Brigitte Bardot estava na capa da Elle francesa. Dois anos depois, aos 18, casou-se com o cineasta Roger Vadim, por quem foi dirigida aos 22, em meados dos anos 1950, no filme “E Deus criou a Mulher”. Como a personagem Juliette, BB seduziu quem quis (na ficção e na realidade) e ali deu início à sua ascensão como símbolo sexual. Uma verdadeira femme fatale de dentinhos separados, um charme a mais (como se precisasse).
É justamente este recorte, entre os seus 15 e 26 anos, o enfoque de “Bardot”, dirigida por Danièle e Christopher Thompson. Com seis episódios de cerca de 50 minutos, a série é uma das atrações do Festival Varilux de Cinema Francês, que vai até 22 de novembro em diversas cidades do Brasil (confira a programação).
Quem interpreta Bardot na série é a franco-argentina Julia de Nunez, ainda desconhecida do público. Aos 23 anos, a produção é seu primeiro trabalho como atriz e ela vem chamando a atenção pela semelhança física com a Musa (com M maiúsculo mesmo) francesa. Julia conversou com a reportagem.
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PERGUNTA – Chama atenção a semelhança entre você e Brigitte. Como lidar com isso? Estamos falando de um dos maiores símbolos sexuais do mundo.
JULIA DE NUNEZ – Não me preocupei muito, era mais ingênua, encarei como um trabalho e foi tão apaixonante e prazeroso que não me questionei se foi impressionante para os outros, não levei em conta o público. Se eu ficasse impressionada e preocupada, não teria ultrapassado a barreira da ícone e teria feito um trabalho superficial.
P – As pessoas sempre comentaram sobre essa semelhança ou foi só após a série?
JN – Na adolescência, começaram a falar que eu me parecia muito com a Bardot, se tornou até uma piada na minha família. Uma vez na Itália me pararam na rua e falaram que eu parecia ela. Mas depois que encarnei a Bardot, curiosamente, as pessoas deixaram de falar que eu pareço com ela. Agora, me reapropriei de mim mesma, da minha essência. Antes podia até ser uma sósia em um museu de cera.
P – Teve alguma cena que foi especialmente difícil ou desafiadora de interpretar?
JN – Curiosamente, descobri, porque descobri a profissão, que as cenas com muita emoção, como choros e gritos, são mais fáceis de fazer porque tenho um acesso mais fácil a isso. E quando as cenas exigem mais sutileza, que são rotineiras e cotidianas, o ator tem que aceitar interpretar esse vazio e saber interpretar essa simplicidade. A série é mais pudica, não apareço nua, mas nas cenas sensuais é mais o ponto de vista da Brigitte Bardot sobre os homens. Achei isso muito interessante.
P – Por quê?
JN – Porque os diretores deram uma visão das mulheres sobre os homens, então são mais eles que aparecem pelados. As minhas cenas sensuais são sempre elegantes e rápidas. Fiquei um pouco sem jeito, não é fácil me expor, mas não foi um drama.
P – Seria então uma produção feminista? Considera Bardot feminista?
JN – A série, com o ponto de vista dela, tem uma atitude feminista na maneira como testemunhou a história de Brigitte Bardot. Percebi que não podemos falar que ela era feminista no sentido de reivindicar ou lutar pela causa, mas mesmo assim, ela foi pioneira no feminismo. Não porque defendia, mas porque era livre. Se maquiava e se vestia do jeito que quisesse, sem seguir as normas da sociedade, fazia o que queria. Isso desarmava as pessoas. Brigitte não discursava sobre ser feminista, mas era livre.
P – Você chegou a ter algum contato com ela antes ou durante as filmagens?
JN – No começo é difícil interpretar alguém real, vivo, você fica se perguntando qual vai ser a reação da pessoa, mas rapidamente entendi que não ia ser a Brigitte Bardot, mas sim que ia interpretar do meu jeito e com a minha verdade. Hoje a Bardot vive reclusa, se protege porque sofreu e foi muito perseguida, mas sei que deu sua benção para a realização da série. Se um dia ela quiser entrar em contato comigo, vou ter o maior prazer em responder.
P – Qual filme de Brigitte você mais gosta? Tem alguma cena específica?
JN – “A Verdade” (1960). Ela fez uma personagem que se chama Dominique e que era apaixonada por uma pessoa que não a correspondia, era uma decepção amorosa. Vi com 11 anos, não entendia muito bem os desafios da história, mas fiquei fascinada com as emoções que ela transmitiu. Isso foi uma das razões para me tornar atriz. Muitas vezes falam dela como um ícone da beleza, mas pouco falam da carreira que ela teve e dos filmes incríveis que fez. Era uma grande atriz, tinha muita sinceridade.
P – Sente receio com a repercussão ou críticas que a série pode ter?
JN – A produção já saiu na França há algum tempo e foi bem recebida pela crítica. Para uma geração mais velha, a Brigitte é quase intocável, uma deusa, e fazer um trabalho seria querer se apropriar de um tesouro do patrimônio público, quase como roubar a Monalisa do Louvre. Mas a série é só uma homenagem e uma visão que queríamos dar. Depois de estrear na Netflix, em que o público é mais jovem, a recepção foi ótima e é importante que eles conheçam a vida dela e o impacto que teve sobre as mulheres.
P – Além da vida e do sucesso de Brigitte, a série também aborda as polêmicas mais recentes, como os insultos racistas feitos por ela em 2021 e o fato de ser anti-vacina da Covid?
JN – Em nenhum momento me interessei pelas opiniões politicas e a mentalidade da Brigitte hoje, porque a série mostra dos 15 aos 26 anos dela. Isso é outra história. Na época, ela não tinha partido politico. A retratação no filme representou um grande avanço para as mulheres, o que é ambíguo porque a mentalidade dela hoje é outra.
P – Conhece alguma coisa da cultura brasileira?
JN – Caetano veloso, Chico Buarque, bossa nova, Arnaldo Antunes. Cinema brasileiro não, mas agora estou com vontade de descobrir.