SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já se disse quase tudo sobre o conflito que vem ensanguentando Israel e a Faixa de Gaza. Mas bem menos se falou sobre as mentiras que o episódio tem fabricado. Foi justamente esse o assunto de um podcast produzido pela Brookings Institution, centro americano de pesquisas em ciências sociais, baseado em Washington.
A entrevistada foi Valerie Wirtschafter, pesquisadora em inteligência artificial e tecnologias emergentes. Ela diz logo de início que os episódios mais sujeitos a versões esquisitas foram a autoria do bombardeio ao hospital de Gaza, a suposta decapitação de 40 bebês e a versão de que os terroristas do Hamas atacaram os kibutzim uniformizados como se fossem soldados israelenses.
E há sobretudo o boato de que os terroristas do Hamas estão recebendo armas da Ucrânia. A informação assim travestida foi provavelmente espalhada pela Rússia, embora não existam ainda comprovações de que tenha sido o caso.
O podcast não é um manual que ensina a distinguir informações falsas das verdadeiras. Aliás, a pesquisadora da Brookings não usa nenhuma vez a expressão “fake news”. Ela não diz o que é verdade e o que é mentira. Apenas discorre sobre os mecanismos que favorecem a difusão de afirmações inverídicas, incompletas ou imprecisas.
Wirtschafter coloca as redes sociais no centro de todo processo de difusão de notícias inverídicas. E sobretudo aquelas que remuneram os internautas com maior audiência. Esses influenciadores são teoricamente incontroláveis, porque colocam rigorosamente tudo o que possa chamar mais a atenção.
É esse o perfil de cerca de 70% das informações falsas que circulam na internet, diz a pesquisadora. Imagens de explosões noturnas costumam ter alta audiência, e muitas delas não têm nada a ver com Gaza e foram criadas bem antes do início do conflito. As imagens saíram dos estúdios de produção de videogames.
No fundo, há a responsabilidade de plataformas como o X, antigo Twitter, que estimulavam a produção de mensagens que viralizavam e, para que a viralização ocorresse, remuneravam proporcionalmente os responsáveis. No entanto, em se tratando de videogame, pode-se argumentar que essa forma de falsificação é grosseira e sujeita a dúvidas que tirariam a credibilidade das imagens.
Mas, contrapondo-se a isso, diz a pesquisadora, há a necessidade de confirmar alguma crença política ou cultural. Se determinado internauta é favorável a Israel ou se ele se considera partidário da “causa palestina”, ele acreditará em certas mensagens e descartará outras. O Oriente Médio é um campo de divisões passionais, em que todos os lados procuram narrativas que confirmem suas convicções.
Uma sigla de aparição recente, e já bem conhecida no Brasil, funciona como outro instrumento de tentativa de verificação da veracidade de algum episódio. É o Osint, acrônimo para “open source intelligence” (informação retirada de dados públicos).
Durante o podcast da Brookings, outro participante, Fred Dews, diretor de comunicação da instituição, evocou um grupo de jornalismo investigativo que levou à formação de uma comunidade que acompanha a Guerra da Ucrânia. E virou, para seus usuários, uma Osint.
Mas Wirtschafter não foi tão longe. Afirmou que nem sempre a informação publicada em várias mídias é a correta e disse que pode haver falhas, apesar da multiplicidade de fontes movidas pela boa intenção.
O ponto de partida para a discussão foi o foguete que caiu sobre o hospital de Gaza e que o Hamas insistia em afirmar que fora lançado por Israel.
A informação incorreta, explica a pesquisadora, circula a partir de duas motivações. A primeira é a do internauta pouco experiente ou desatento, que por uma reação meio simplista passa para frente tudo o que recebe e julga interessante.
A segunda motivação é aquela que deliberadamente procura destruir a reputação de uma empresa, de um político, de uma marca comercial, do Exército de um país. Difundir desinformação se confunde assim com um crime. A pesquisadora usa duas palavras diferentes em inglês (misinformation/disinformation) para especificar os dois tipos de notícias falsas. A diferença depende da intenção de quem produz a notícia.
O conselho que ela dá para que as pessoas não espalhem voluntariamente informações inverídicas tem pouca técnica e muito bom senso. Se a notícia escapa à normalidade e parece inverossímil, o ideal é que o internauta se abstenha de espalhar de imediato para amigos e gaste algum tempo em confirmação.
A receita não vale apenas para relatos em texto. Também vale para imagens. Uma imagem pode ser falsa caso seja gerada por inteligência artificial com o propósito de enganar. Sim, existe isso também. Há algum tempo imagens mostraram uma explosão que nunca existiu nas imediações do Pentágono, a sede da Defesa dos Estados Unidos.
PARSING DISINFORMATION IN THE ISRAEL-HAMAS CONFLICT
Autoria Brookings InstitutionLink: https://www.brookings.edu/articles/parsing-disinformation-in-the-israel-hamas-conflict/Duração 17 minutos
Disponível em Brookings.edu