SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início de julho, o governo do Pará se mostrava superconfiante; fazia menos de dois meses que Belém tinha sido confirmada sede da COP30, e os administradores locais acreditavam que aquele momento era o ideal para lançar um chamamento público convidando bancos a participarem de uma operação financeira inédita na esfera pública brasileira.

O estado queria R$ 350 milhões no formato de empréstimo vinculado à sustentabilidade (SLL, na sigla em inglês), modelo que prevê a redução da taxa de juros conforme o cumprimento de metas sustentáveis. O formato vinha sendo desenvolvido desde 2021 com consultorias especializadas em meio ambiente.

Mas o prazo de 60 dias do edital se encerrou com nenhuma proposta no gabinete da Secretaria de Meio Ambiente (Semas), e o governo precisou alterar algumas regras da operação. Em outubro, a administração paraense enviou cartas a cinco bancos apresentando o novo formato. Agora, essas instituições têm até sábado (11) para responder o convite.

O empréstimo tem como finalidade apoiar parte do programa do governo do estado voltado à conservação de rios. A fatia prevista no SLL vai para a criação de um marco legal do tema, estruturação da Semas e proteção dos rios São Benedito e Azul, no sudoeste do Pará. A região sofre com a expansão do agronegócio no Mato Grosso.

Nos bastidores, a explicação do fracasso da operação passa pelo ineditismo -aquele mesmo que alegrou ambientalistas quando o edital foi divulgado. Na visão de técnicos que participaram do planejamento da operação, as instituições financeiras queriam mais tempo para analisar a proposta do aqueles 60 dias determinados no edital.

Um dos pontos que preocupam os bancos é a própria legalidade desse tipo de empréstimo. Especialistas ouvidos pela reportagem veem o SLL como uma segunda versão do SLB, título vinculado à sustentabilidade e negociado no mercado de capitais. Mas, desde o final da década de 1990, a legislação federal impede que estados e municípios emitam títulos de dívida pública. Essa semelhança poderia, portanto, causar insegurança jurídica ao formato.

“Embora essa operação tenha sido chamada de loan [empréstimo, em inglês], existe um risco jurídico de se entender que esta regra constitucional está sendo desrespeitada, isso não resta a menor dúvida”, diz Luciane Moessa, diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).

Técnicos envolvidos com o projeto que conversaram com a reportagem insistem que o SLL funciona, em geral, como um empréstimo comum e que tal comparação não deve ser feita. Mas os bancos não estão certos disso.

“Os bancos vão tocar nesse tema. Talvez tenha sido isso, inclusive, que fez com que eles tivessem mais cautela na apresentação das propostas. O instrumento é inovador e tudo que é inovador tem que ter um tempo de maturação”, diz o secretário de Meio Ambiente do Pará, José Mauro de Lima O’de Almeida.

O Pará é um dos líderes na agenda ambiental do país. O governador Helder Barbalho (MDB), por exemplo, participou da Climate Week de Nova York em setembro, onde se encontrou com o emissário climático dos Estados Unidos, John Kerry. Um mês depois, ele se reuniu com o papa Francisco no Vaticano e o convidou a visitar Belém e “dialogar com os amazônidas e com os nossos povos tradicionais”.

“Estamos ousando e não temos medo disso. Hoje, há dois grandes hubs de financiamento ambiental, que são o Green Climate Fund e o Global Environment Fund (conhecidos fundos internacionais de financiamento verde), mas o acesso a eles é completamente burocratizado e ineficaz. Precisamos ter mecanismos que possam ser mais eficientes sobre esse aspecto”, acrescenta O’de Almeida.

Segundo ele, o SLL também seria uma forma de garantir que as metas ambientais fossem cumpridas, uma vez que empréstimos de outra natureza poderiam acabar indo para áreas como saúde e educação. O formato SLL não delimita a destinação dos recursos, ao contrário de um título verde normal, mas condiciona a redução das taxas de juros ao cumprimento de metas -assim, o governo pode usar a verba, por exemplo, para construir uma escola, desde que não deixe de cumprir as obrigações previstas no contrato do financiamento.

Analistas apontam, porém, que o ineditismo não anda necessariamente de mãos dadas com o sucesso -ainda mais na esfera pública. O SLL em questão, por exemplo, teria um prazo de dez anos, o que a depender de quando começar a operação, pode se estender por três governos; inclusive de políticos menos ligados à causa ambiental.

Inicialmente, o projeto também determinava que o empréstimo tinha que vir de um consórcio de ao menos dois bancos. Ou seja, as instituições financeiras não poderiam fornecer sozinhas o crédito. Tal mecanismo visava reduzir os riscos da operação, mas acabou servindo como obstáculo. A reportagem apurou que a nova proposta da Semas não contém mais esse trecho.

O empréstimo ainda prevê a possibilidade de garantias da União, que precisa ser avaliada após a escolha do credor. De qualquer forma, é improvável que isso seja um obstáculo; o Pará é um dos estados com menos recursos garantidos pela União (R$ 3,5 milhões) e, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, não descumpriu nenhum pagamento desse tipo desde 2016. A proposta também tem que passar pela Assembleia Legislativa do estado.

Apesar do ineditismo na esfera pública, várias empresas brasileiras já captam recursos via SLL ou SLB -segundo a Climate Bonds Initiative, a iniciativa privada do Brasil já captou US$ 12,4 bilhões (R$ 60,8 bi) nesse formato desde 2018; o sexto país que mais arrecadou no mundo.

A Suzano, empresa de papel e celulose, foi a primeira a captar no modelo SLL. Em 2021, a companhia assinou um contrato de US$ 1,6 bi com bancos estrangeiros para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e captação de água em sua cadeia de produção em 9,7% e 2,1%, respectivamente, até 2025.

Os juros previstos no contrato da empresa estão atrelados à Libor (CDI internacional) mais 1,15%. Mas há adicionais se as metas não forem cumpridas.

“A gente viu uma oportunidade de reduzir o custo de captação da companhia com esse instrumento, tomando o risco de cumprir essas meta”, diz Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças, Relações com Investidores e Jurídico da empresa, acrescentando que o formato é mais eficaz que os tradicionais títulos verdes. “No segundo, você controla se a empresa está usando o dinheiro para aquilo estipulado, mas se aquilo deu resultado ou não, ninguém vai olhar. Então não é muito efetivo”, diz.

O secretário de Meio Ambiente do Pará, José Mauro de Lima O’de Almeida, também pensa assim. Ao final da entrevista, ele pediu à reportagem: “Veja pelo lado do copo mais cheio. Não foi um fracasso, foi um tempo maior para reflexão.”

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE UM SLL

– Juros menores atrelados a metas ambientais

– Recurso pode ir para qualquer área, desde que a meta seja cumprida

– Explorado pela iniciativa privada, mas ainda não existe na esfera pública