LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições legislativas antecipadas. A decisão foi tomada após o primeiro-ministro, António Costa, apresentar sua demissão na última terça-feira (7), quando foi deflagrada uma megaoperação anticorrupção que tem o próprio premiê como um dos investigados.

Os portugueses irão novamente às urnas em 10 de março.

Antes de tomar a decisão, o chefe de Estado se reuniu com as lideranças de todos os partidos com representação parlamentar, além de ter convocado uma sessão do Conselho de Estado.

Para permitir a aprovação do Orçamento de Estado e parar outras arestas, a demissão de António Costa só será formalizada em dezembro. Ele também segue interinamente na função até que seu sucessor seja escolhido.

Rebelo de Sousa sinalizou que gostaria de realizar o pleito antes de março, mas que isso não é possível devido ao processo de substituição da liderança do Partido Socialista. Para o presidente luso, as novas eleições permitirão “maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado” que perturbou os portugueses. “É essa a força da democracia: não ter medo do povo”.

Principal partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata, de centro-direita), apoiou a realização de um novo pleito, assim como a maioria das demais siglas de direita.

Atualmente com maioria absoluta na Assembleia da República -120 entre 230 deputados-, o Partido Socialista era contrário à dissolução, preferindo que o presidente nomeasse outro membro da bancada para o cargo de premiê, pelo menos por um período de estabilização.

Pela lei portuguesa, a demissão do primeiro-ministro não obrigaria a realização de novas eleições, mas essa opção já era dada como certa quando António Costa anunciou sua saída do cargo.

Uma pesquisa realizada pelo instituto Aximage divulgada nesta quinta-feira (9) indicou que 67,8% dos portugueses dizem apoiar a realização de novas eleições.

O fim precipitado de uma legislatura em que os socialistas tinham maioria absoluta, com condições para governar -e até ultrapassar vetos presidenciais- sem negociar com outros partidos, pegou os próprios políticos de surpresa. As legendas correm agora para organizar as campanhas.

As últimas pesquisas de intenção de voto, realizadas em outubro, indicavam os socialistas na liderança (28,6%) em relação ao maior partido da oposição, o PSD (24,9%). Contudo, o levantamento mostrava que, somadas, as intenções de voto à direita (PSD, Chega, Iniciativa Liberal e CDS) chegavam a 47,8%. Acima, portanto, do total previsto à esquerda (PS, BE, CDU e Livre), com 42,4%.

A grande incógnita é se o maior partido da oposição irá ou não se aliar ao Chega, representante da ultradireita, para conseguir viabilizar um governo. A legenda, que acumula declarações contra ciganos e imigrantes, teve um crescimento expressivo, saltando de um deputado em 2019 para 12 parlamentares em 2022. Na última sondagem eleitoral, eles reuniram 14,6% das intenções de voto.

Enquanto isso, o Partido Socialista tenta estancar a sangria do escândalo, além de se apressar para escolher um novo líder antes do pleito. Entre os militantes, dois nomes têm ganhado força: o ex-ministro de Infraestruturas Pedro Nuno Santos, alinhado à ala mais à esquerda, e o atual ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.

Ao apresentar sua demissão, o premiê negou “a prática de qualquer ato ilícito ou censurável”. Ele justificou a decisão, no entanto, afirmando que a dignidade do cargo de primeiro-ministro “não é compatível com qualquer suspeição da sua boa conduta”.

Batizada de Operação Influencer, a investigação atingiu em cheio o núcleo do governo e o entorno de Costa. Seu chefe de gabinete, Vítor Escária, e o consultor Diogo Lacerda Machado, descrito pela imprensa lusa como o “melhor amigo” do premiê, foram detidos.

Com cerca de 150 agentes nas ruas, a ação realizou operações de busca em diversos locais, incluindo na residência oficial do primeiro-ministro, onde, no gabinete de Escária, foram encontrados quase EUR 76 mil (R$ 400 mil) em dinheiro.

Divididas em vários envelopes, as notas estavam escondidas entre prateleiras, no meio de livros e até em caixas de vinho. Segundo o advogado do chefe de gabinete, guardar recursos em espécie não configura nenhum crime. O montante, diz o defensor, “relaciona-se com a sua atividade profissional anterior”.

Outro nome forte do governo, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, foi formalmente declarado suspeito no caso. O ministro do Meio Ambiente, Duarte Cordeiro, e o ex-titular da pasta João Matos Fernandes também estão sob investigação.

Apesar das grandes repercussões políticas, a Procuradoria-geral da República deu poucos detalhes sobre as suspeitas que pairam sobre Costa. A única informação oficial foi divulgada em um comunicado à imprensa.

A PGR afirma que o nome de António Costa foi citado por suspeitos durante as investigações, que teriam mencionado “sua intervenção para desbloquear procedimentos” no contexto das investigações.

No centro das investigações estão negócios relacionados ao lítio e ao chamado hidrogênio verde, essenciais para os projetos de transição energética da União Europeia.

Portugal é o país da UE com a maior reserva de lítio, um componente essencial para a fabricação das baterias de carros elétricos, mas a exploração do minério não é consensual no país. Populações das áreas onde há concentração de lítio fazem reiterados alertas sobre as consequências negativas da mineração.

Pensado como um substituto do gás natural e produzido com eletricidade de fontes renováveis, o hidrogênio verde é outra aposta lusa para a transição energética. O governo português chegou a se unir à Espanha em um megaprojeto ibérico para converter seus gasodutos à circulação do hidrogênio. A produção comercial de larga escala a preços competitivos, no entanto, ainda é uma realidade distante.

As primeiras informações sobre suspeitas de irregularidades nas concessões para extração de lítio remontam a 2019. Quanto ao hidrogênio, as investigações se concentram sobre a atuação do governo em um grande projeto a ser realizado em Sines. O presidente da Câmara Municipal (cargo equivalente ao de prefeito) da cidade, Nuno Mascarenhas, também foi detido na operação.