SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A Mulher como Campo de Batalha”, em cartaz no Sesc Belenzinho até este domingo, parte do encontro de duas mulheres em um quarto do qual, pela janela, vê-se um lago. Uma de suas margens molha a Alemanha, a outra a Suíça. Dorra e Kate, no entanto, não pertencem a nenhum dos dois países.

Dorra é vítima da guerra da Bósnia, que aconteceu entre 1992 e 1995. Foi estuprada por cinco homens, como tantas outras mulheres foram estupradas por tantos outros homens, porque o estupro surge na guerra como tática bélica. Carrega um feto e foi levada à terra estranha por forças internacionais.

Kate é uma psicóloga americana que se ofereceu para trabalhar como terapeuta na equipe de escavação de valas comuns da Organização das Nações Unidas. Não suportou o horror do ofício e pediu para ser transferida para o centro que acolhe mulheres vítimas da guerra, onde recebeu Dorra como paciente —relação que logo é subvertida em momentos alternados de cura e enlouquecimento recíprocos.

“A Mulher como Campo de Batalha” parte do texto homônimo do dramaturgo romeno Matéi Visniec escrito em 1996, logo após o fim da guerra da Bósnia. Na montagem de Rodrigo Spina com as atrizes Rita Gullo e Carla Kinzo, o texto ganha um cenário minimalista, concebido pela cenografista Carmela Rocha.

À esquerda, há uma cadeira posicionada em frente a uma câmera e uma tela cilíndrica que funciona como a distância materializada entre Dorra e o mundo. À direita, numa segunda tela, projeta-se o rosto da atriz, capturado ao vivo pela câmera. Fragmentos da memória e dos conflitos internos de Dorra são projetados em sua barreira ao longo da peça, sempre submersos na metáfora de mar, em vídeos concebidos por Vera Egito e Kvpa.

Spina, que já trabalhou com outro texto de Visniec, “Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar”, explica que a nova peça evidencia o lado jornalista do romeno para um texto mais realista e menos pautado por seus flertes com o teatro do absurdo beckettiano.

O diretor e as atrizes Rita Gullo e Carla Kinzo já estavam atrás de tirar o projeto do papel quando a Rússia invadiu a Ucrânia, no ano passado. A guerra se somou a outra neste ano, com a retomada dos conflitos entre Israel e Hamas.

Adicionando ainda mais uma camada de realidade sobre a ficção, Gullo —que vive Dorra, personagem grávida— engravidou de Antônia enquanto começavam os ensaios para a peça. A atriz diz que precisou impor limites para separar realidade e ficção.

“Eu conversava muito com Antônia enquanto estávamos fazendo a peça, e contava que não era sobre ela. Também envolve a gente, como mulheres, mas não é exatamente sobre nós duas. Tive que impor limites, se não acho que não conseguiria fazer.”

Para Gullo, apesar de a peça ser escrita por um homem e dirigida por outro, a colaboração entre os artistas permitiu que ela desse conta do tema feminino. Além disso, a equipe participou de encontros com mulheres vítimas de estupro, cujas opiniões colaboraram para mudanças no texto.

“O Rodrigo se colocou muito em cheque e precisou abrir muitas a escuta para a gente e para as leituras que fizemos com a escuta de outras mulheres”, afirma Kinzo. Para Gullo, o teatro precisa manter sua liberdade como arte.

“É muito importante que a gente sempre abra espaços para que cada um fale no seu lugar de fala, mas outras pessoas também podem falar sobre esses assuntos”, afirma. “Se não, a gente acaba tirando a própria essência do teatro, que é poder falar sobre personagens que não são nossos.”

A MULHER COMO CAMPO DE BATALHA

Quando 09/11/2023

Onde Sex. e sáb., às 21h30; dom., às 18h30. Até 12/11. Sesc Belenzinho – r. Padre Adelino, 1000, São Paulo

Classificação 16 anos

Elenco Rita Gullo e Carla Kinzo

Direção Rodrigo Spina