Antônio Pereira Rebouças, filho de alfaiate e de escravizada liberta, foi ainda conselheiro de dom Pedro 2º
Matheus Tupina
SÃO PAULO-Folha Press
Em meio ao ápice no número de escravizados trazidos ao Brasil e uma turbulenta Independência, destacou-se um homem negro capaz de ascender à elite política apesar do racismo e se tornar conselheiro de dom Pedro 2º, defendendo o direito à propriedade e ao mesmo tempo a liberdade dos cativos.
Trata-se de Antônio Pereira Rebouças, filho de um alfaiate português e de uma escravizada liberta. Ele foi o primeiro deputado pardo do país após virar um autodidata em direito e receber concessão especial para advogar em todo o território do Império brasileiro.
Com atuação política e pensamento liberal, participou de uma série de movimentos a favor da emancipação do Brasil diante de Portugal e atuou pela consolidação de direitos individuais. Negou sua cor para evitar a pecha de radical ou ser rejeitado nos espaços de poder que frequentava.
Conhecido como “conselheiro Rebouças” ou ainda “velho Rebouças”, tem seu sobrenome estampado em uma importante avenida na zona oeste da capital paulista, também em homenagem ao abolicionista André Rebouças e o engenheiro Antônio Pereira Rebouças Filho, seus descendentes.
Natural de Maragogipe (BA), nasceu em agosto de 1798, filho mais novo entre outros três homens e mais cinco mulheres. Dois dias antes de nascer, eclodiu em Salvador a Conjuração Baiana, que pedia a independência da Bahia de Portugal, a abolição da escravatura e um governo democrático e republicano.
Não pôde estudar formalmente para além dos ensinos elementares da época, então debruçou-se no direito por conta própria enquanto trabalhava em um cartório. Em 1821, recebeu permissão para advogar apenas em sua província natal, sendo autorizado a advogar para todo o território nacional em 1847.
Durante a efervescência das tensões entre a metrópole e a colônia, que ensaiava uma independência, participou de grupos pela emancipação política do Brasil, pedindo a instalação de um governo constitucional, integrado por brasileiros.
Era um defensor do liberalismo enquanto prática política e pensamento filosófico —o contexto era de difusão do corolário agregado pela Revolução Francesa em 1789: liberdade, igualdade e fraternidade.
Daí vinha a defesa da igualdade perante a lei, independentemente de cor ou classe social. Rebouças via na configuração jurídica imperial possibilidades de inserção dos escravizados, sem a necessidade de maior ruptura institucional, e por isso não é considerado abolicionista.
Durante seus mandatos como deputado, opôs-se à pena de morte a participou de debates para reformas da Constituição de 1824, a primeira do país e a única do Império.
Ninguém pode tirar a vida do homem, que não deu nem pode reparar; tirá-la é contra o poder divino, está fora do poder humano; nenhum legislador pode decretar a pena de morte”
Antônio Pereira Rebouças
Em discurso contrário à pena de morte no Brasil
Apostava na educação como forma de alcançar estabilidade social e financeira. Junto de José Bonifácio e outros liberais, acreditava que o trabalho livre era não só mais proveitoso, mas mais lucrativo que o regime escravocrata.
Por ser pardo —descendente de um pai branco e uma mãe negra—, Antônio Pereira Rebouças considerava-se diferente dos outros negros, apesar de não ser visto como igual pelos brancos que o rodeavam nos espaços que frequentava.
Por isso o racismo permeou toda a sua atuação política. Após derrotas políticas em Salvador, decidiu se mudar para o Rio de Janeiro em 1823, e chegou a ser impedido de seguir caminho em Porto Seguro, precisando provar sua identidade para continuar.
No ano seguinte, quando foi indicado e tomou posse como secretário do Governo Provincial de Sergipe, sofreu repressão dos proprietários locais por sua cor de pele e por estar à frente de importantes assuntos Executivos.
É a partir destes acontecimentos que o político passa a tornar central a luta por direitos civis. Mesmo assim, não se referia à questão racial diretamente —tentava fazer de seus méritos tema central e evitar tornar sua cor um problema político.
Em 1828, elegeu-se deputado pela Bahia pela primeira vez, reeleito duas vezes pela província natal e um quarto período, representando Alagoas, em 1845. Foi ainda deputado provincial baiano entre 1834 e 1845, já que à época era possível acumular os dois cargos parlamentares.
Evitou fazer qualquer associação entre sua cor e suas posições liberais, temendo ser considerado radical diante de uma série de levantes de escravizados, como a Revolta dos Malês, na Bahia, e das Carrancas, em Minas Gerais.
Do ponto de vista acadêmico, ficou conhecido por ser um dos primeiros brasileiros a discutir a Revolução do Haiti, presente no imaginário dos senhores de engenho brasileiros, que temiam algo de mesma magnitude em terras tupiniquins.
Rebouças via o levante como forma de advogar contra a discriminação racial, apesar de não se posicionar claramente contra a escravidão.
Autor de obras sobre história e direito civil, sua área de especialidade, deixou uma biblioteca com obras completas de Molière, Pierre Corneille, Blaise Pascal, Montesquieu e Mirabeau, todos precursores do pensamento liberal francês que o político seguia.
Em 1865, após a morte da esposa, Carolina Pinto Rebouças, o político retira-se da vida pública, sendo ainda nomeado advogado do Conselho de Estado do Império em 1866. Em 1870 aposenta-se, após ser acometido por uma cegueira.
Morreu dez anos depois, no Rio de Janeiro. Deixou oito filhos, entre eles o abolicionista André Rebouças e os engenheiros Antônio Pereira Rebouças Filho e José Rebouças, também lembrados em monumentos, estradas e outras obras por todo o país.
RAIO-X | ANTÔNIO PEREIRA REBOUÇAS
Primeiro deputado negro do país, nasceu em Maragogipe (BA) em 1798, mas se mudou para Salvador e depois para o Rio de Janeiro. Foi advogado autodidata e conselheiro de dom Pedro 2º. Foi secretário de governo de Sergipe, membro do Conselho Geral da Bahia em 1828 e parlamentar da província entre 1835 e 1845. Fundou e trabalhou no jornal “O Bahiano”, e recebeu o título de oficial da Ordem do Cruzeiro. Morreu em 1880 na capital do Império.