BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal deflagrou uma operação nesta quarta-feira (8) para prevenir atos terroristas no país. De acordo com a apuração que deu origem à ação, atos preparatórios estavam em andamento para ataques a prédios da comunidade judaica no Brasil.
Segundo informações às quais a Folha de S.Paulo teve acesso, dois homens envolvidos no caso já foram presos no Brasil. Outros dois que estariam no Líbano tiveram seus nomes incluídos na difusão vermelha da Interpol, o canal de foragidos da polícia internacional. Os quatro têm nacionalidade brasileira. A PF cumpriu ainda 11 mandados de busca e apreensão em Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal.
O planejamento envolveria recrutados pelo Hezbollah, grupo extremista islâmico xiita que atua no Líbano e recebe financiamento do Irã assim como o grupo terrorista palestino Hamas, o inimigo de Israel na guerra em curso na Faixa de Gaza.
De acordo com nota divulgada pela PF, recrutadores e recrutados devem responder pelos crimes de “constituir ou integrar organizações terroristas” e “realizar atos preparatórios de terrorismo”. Se somadas, as penas máximas para tais crimes podem chegar a 15 anos e 6 meses de prisão.
A operação contou com a parceria de Mossad, a agência de inteligência de Israel. Em nota, a organização agradeceu os serviços de segurança brasileiros e afirmou estar trabalhando “para frustrar esses esforços onde for necessário”. Houve cooperação também de agências de inteligência dos Estados Unidos.
O Consulado Geral de Israel em São Paulo também agradeceu às autoridades brasileiras em comunicado. “Esta é mais uma tentativa do Irã através do Hezbollah e de suas forças associadas (Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica e da Força Quds) de expandir sua influência global, incluindo na América do Sul, como uma base avançada para atividades terroristas no continente”, diz o texto.
Desde o início da guerra entre Tel Aviv e o Hamas em Gaza, a fronteira entre Líbano e Israel se tornou uma frente secundária do conflito. O local tem sido palco de trocas de tiros frequentes entre o Exército israelense, de um lado, e o Hezbollah e seus aliados de outro o que aumenta temores de que o conflito se regionalize.
Na última terça (7), 20 foguetes foram disparados do Líbano em direção a Israel, sem deixar mortos ou feridos, e o Exército israelense respondeu com artilharia. Antes, no domingo (5), trocas de fogo para estabelecer posições mataram quatro civis, três deles crianças, segundo o grupo islâmico e o governo do Líbano.
Em nota, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) manifestou “enorme preocupação” com as suspeitas de atentados contra alvos judaicos no Brasil. “O terrorismo, em todas as suas vertentes, deve ser combatido e repudiado por toda a sociedade brasileira”, afirmou a entidade. “Os trágicos conflitos do Oriente Médio não podem ser importados ao nosso país, onde diferentes comunidades convivem de forma pacífica, harmoniosa e sem medo do terrorismo.”
A guerra multiplicou os casos de antissemitismo e islamofobia em diversos países do mundo. No domingo, a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, condenou o ressurgimento de atos antissemitas.
Esta não foi a primeira vez que a PF agiu contra o Hezbollah em território nacional. Em setembro de 2018, a entidade prendeu o comerciante Assad Ahmad Barakat, 51, acusado pelo governo americano de ser um financiador da facção libanesa. A prisão, decretada pela justiça paraguaia pelo crime de falsidade ideológica, aconteceu em Foz do Iguaçu, no Paraná, após autorização do STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo o governo americano, Barakat usava suas empresas de importação e exportação de eletrônicos na Tríplice Fronteira para enviar dinheiro ao Hezbollah no Líbano e na Síria.
O libanês já havia sido preso no Brasil em 2002 e extraditado para o Paraguai no ano seguinte, quando foi condenado pela Justiça. Ele ficou na prisão até 2008, quando foi solto e decidiu retornar ao Brasil, mantendo negócios no Paraguai, na Argentina e no Chile, segundo a PF.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2002, ele disse que havia “uma grande ignorância no Ocidente” sobre o grupo, e atribuiu sua prisão a uma “vingança comercial”.
A Tríplice Fronteira, um dos principais destinos da diáspora árabe na América do Sul, ganhou destaque com a guerra ao terror travada pelos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001. Depois dos ataques, a região foi apontada como origem de remessas de dinheiro para grupos terroristas, embora alguns especialistas digam que não há evidências claras disso.
Década antes, atentados contra centros judaicos na Argentina já chamavam a atenção para a região. O primeiro, em 1992, atingiu a Embaixada de Israel em Buenos Aires e deixou 29 pessoas mortas. O segundo, em 1994, foi o maior ataque terrorista da história argentina. O alvo foi a sede da Amia (Associação Mutual Israelita-Argentina), na capital do país, e matou 85 pessoas.
Em 2005, a Procuradoria argentina chegou a acusar o Irã de estar por trás do ataque de 1994, mas até hoje o caso não foi completamente esclarecido. Em julho passado, quando ele completou 29 anos, o atual presidente da Amia, Amos Linetzky, pediu justiça. “Nossa democracia está eclipsada pelos 29 anos de uma vergonhosa impunidade, sem um só responsável pelo assassinato de 85 pessoas”, afirmou ele em um discurso na sede da associação.
Linetzky aproveitou a sua fala para parabenizar o governo argentino por considerar o Hezbollah uma organização terrorista a despeito das mudanças de gestão. “Esperamos que outros países irmãos, como Uruguai, Chile, Brasil e Peru também se somem a nós, porque precisamos de um esforço conjunto para combater o crime organizado e o terrorismo internacional”, disse ele.