Enfermidade é conhecida há séculos, mas só recentemente foram desenvolvidas abordagens que previnem seus sintomas

Stefhanie Piovezan


SÃO PAULO-FOLHA PRESS
A hemofilia faz parte de um grupo de doenças chamadas de hemorrágicas hereditárias ou congênitas, e é causada pela deficiência de fatores de coagulação, proteínas necessárias para que ocorra o processo de reparação dos vasos sanguíneos.

Existem vários fatores de coagulação no sangue, que agem em uma sequência determinada. No final dessa sequência é formado o coágulo e o sangramento é estancado. Em uma pessoa com hemofilia, um desses fatores não funciona. Sendo assim, o coágulo não se forma e o sangramento continua.

Na hemofilia A, que representa cerca de 80% dos casos mundialmente, os pacientes têm uma deficiência no fator de coagulação VIII. Já na hemofilia B, é o fator de coagulação IX que está em falta.

De acordo com o último relatório da Federação Mundial de Hemofilia, lançado em 2022, o país registra a quarta maior população de pacientes com hemofilia do mundo, atrás de Índia, China e Estados Unidos. São 13.337 pessoas com a doença no país, sendo 11.141 com hemofilia A e 2.196 com hemofilia B.

Veja abaixo perguntas e respostas sobre a doença.

O QUE É HEMOFILIA?
Na grande maioria dos casos, a doença é hereditária e costuma ser transmitida ao filho por uma mãe portadora assintomática.
Isso acontece porque os genes responsáveis pela produção dos fatores VIII e IX encontram-se no cromossomo X. Ao receber esse cromossomo da mãe com o gene alterado e o cromossomo Y do pai, o menino fica apenas com cópias mutadas do gene e expressa a doença.

Nas meninas que recebem um X modificado da mãe ou do pai e outro X padrão, há a presença tanto do gene mutado quando do original e a enfermidade não se expressa ou se apresenta com menor intensidade. Já naquelas com dois cromossomos X alterados, há a manifestação dos sintomas.

Em aproximadamente 30% dos casos, porém, a hemofilia decorre de uma nova mutação, sem que haja qualquer caso na família.

Também há situações raras em que a doença é adquirida na vida adulta. Nessas circunstâncias, há uma desordem no sistema imunológico que afeta a produção dos fatores de coagulação.

MULHERES PODEM APRESENTAR SINTOMAS?
Por muitos anos acreditou-se que apenas indivíduos do sexo masculino poderiam apresentar sintomas de hemofilia e que as mulheres não experienciavam os sangramentos decorrentes da doença. Agora o entendimento é outro.

“No passado, mulheres com os dois X afetados tinham uma sintomatologia muito grande e morriam, por isso se dizia que não existia mulher hemofílica”, conta a hematologista Claudia Lorenzato.

Hoje, com o tratamento para prevenção de hemorragias, elas podem ter uma vida normal e, se tiverem esse desejo, podem inclusive engravidar e dar à luz.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS?
Os sintomas são os mesmos tanto na hemofilia A quanto na B e incluem sangramentos em músculos e articulações, especialmente joelhos, cotovelos e tornozelos; sangramentos sem causa aparente; sangramentos prolongados após cortes, em extrações de dentes ou cirurgias.

Em bebês com hemofilia grave também podem ocorrer sangramentos após a aplicação de vacinas e hemorragia em procedimentos como circuncisão. Foi inclusive como menção a estes casos que a doença foi reportada pela primeira vez. Ela consta no Talmud, coleção de escritos que ajudou a estruturar a religião judaica.

Já entre pacientes leves, que têm de 5% a 40% da atividade do fator VIII ou do fator IX, os primeiros sintomas costumam ser notados apenas na adolescência, associados a traumas mais graves ou a procedimentos cirúrgicos.

Os sangramentos provocam dor, dificultam movimentos e, com o passar do tempo, causam lesões e deformações nas articulações.

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico é feito com a ajuda de exames de sangue. Nas análises, verifica-se a coagulação, a presença do fator VIII (hemofilia A) e do fator IX (hemofilia B) e o nível de atividade dessas proteínas.

COMO É O TRATAMENTO?
Desde 2012, o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece a profilaxia, que consiste em concentrados do fator VIII ou do fator IX para aplicações rotineiras, independentemente de sangramentos. Essa abordagem, ofertada a pacientes graves e moderados com histórico de sangramentos, mantém o nível da proteína estável e evita os sintomas da doença, garantindo maior qualidade de vida.

Uma parte dos pacientes que realizam a profilaxia, porém, desenvolve o chamado inibidor. É como se o organismo entendesse a proteína como um agente estranho e passasse a combatê-la. Nessas situações, o tratamento padrão é a imunotolerância, em que as aplicações de fator são ampliadas para forçar o organismo a se acostumar.

Uma parcela do grupo, contudo, não responde à imunotolerância. Para esse público, foi desenvolvido um anticorpo monoclonal que corrige o processo de coagulação para evitar os sangramentos. Outras abordagens recentes são a redução de anticoagulantes e a terapia gênica.