Desafio está no custo dos possíveis tratamentos, apresentados nesta semana em congresso em Madri

Stefhanie Piovezan
SÃO PAULO
Pacientes com câncer localmente avançado ou metastático geralmente têm poucas opções de tratamento, mas novas pesquisas indicam que é possível melhorar os resultados e o prognóstico —para aqueles que puderem pagar.

Estudos apresentados no congresso anual da Esmo (Sociedade Europeia de Oncologia Clínica), realizado nesta semana em Madri, revelam que o uso de novos imunoterápicos (medicamentos que auxiliam o organismo a reconhecer e combater o câncer), radioterápicos (medicamentos com um elemento radioativo que danifica o DNA das células tumorais) e ADCs (moléculas que conjugam drogas e anticorpos, com ação precisa nas células doentes) pode aumentar o tempo de vida dos pacientes.
“Nunca vi um congresso com tantos estudos que vão mudar a prática clínica”, avalia o oncologista Fernando Maluf, cofundador do IVC (Instituto Vencer o Câncer) e professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
O oncologista Gilberto Amorim, da Oncologia D’Or, também ficou impactado com alguns resultados, mas destaca que as novas abordagens podem aumentar o abismo entre o tratamento das redes particulares e do SUS, além de afetar os gastos do sistema público e dos planos de saúde.

“O congresso colocou no nosso radar uma nova droga para câncer de mama, o datopotamab deruxtecan, e com ela mais angústia”, afirma.

DESTAQUES DO CONGRESSO

Na área de câncer de bexiga, Maluf ressalta a pesquisa sobre a utilização do imunoterápico pembrolizumabe combinado ao enfortumabe vedotina, uma ADC.

Os cientistas avaliaram 886 pacientes com câncer de bexiga localmente avançado ou metastático, comparando os resultados do tratamento quimioterápico padrão e os obtidos com os medicamentos, e verificaram que 50% dos pacientes que usaram os remédios estavam vivos após 31,5 meses, contra 16,1 meses no grupo controle.

“É a primeira vez que uma combinação não quimioterápica foi melhor do que a quimioterapia em câncer de bexiga metastático”, diz Maluf.

Outra pesquisa, envolvendo 608 pacientes, comparou o emprego de quimioterapia e de quimioterapia associada ao imunoterápico nivolumabe, e verificou a ampliação da sobrevivência (18,9 meses contra 21,7 meses). A taxa de resposta também foi maior com a combinação (57,6%) do que com a quimioterapia isolada (43,1%).
Nos dois casos, os estudos foram financiados pelas farmacêuticas responsáveis pelos novos medicamentos —respectivamente Astellas Pharma e Bristol Myers Squibb— e as drogas são de alto custo.

Segundo a lista de preços da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), cada frasco-ampola com 4 ml de solução do pembrolizumabe tem preço de fábrica de até R$ 20,7 mil, dependendo da região do país; 30 mg de enfortumabe vedotina custam até R$ 10,8 mil; e 100 mg de nivolumabe, R$ 11,5 mil.

Na área de câncer de colo de útero, foram apresentados os efeitos da combinação do pembrolizumabe com quimioterapia em casos de doença localmente avançada e os resultados com o tisotumab vedotin, estudo do qual Maluf é coautor, ambos com dados positivos.

O tisotumab vedotin não está à venda no Brasil, mas nos Estados Unidos o custo mensal do tratamento com a droga é estimado em 34 mil dólares. “O sistema americano puxa o preço para cima e assim o valor de referência mundial fica mais alto”, comenta Amorim.

COMO MUDAR O CENÁRIO

“É papel da ciência desenvolver novas moléculas, descobrir tratamentos”, diz Abraão Dornellas, oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein e integrante do Comitê Científico do IVC. “E é nosso papel, enquanto profissionais de saúde, grupos de pacientes e sociedade, lutar para que novas moléculas sejam incorporadas ao tratamento.”

Os especialistas veem opções para melhorar a situação: centralizar as compras envolvendo farmacêuticas no governo federal, que tem maior poder de negociação; definir cestas de drogas que demandam maior desconto; e investir em pesquisas e transferência de tecnologia para produção dos medicamentos no Brasil.
Eles também defendem uma política nacional de combate ao câncer que perdure independentemente de mudanças políticas. “Temos tratamento de ponta em HIV”, lembra Amorim. “Quando o governo quer, ele consegue, mas precisa haver vontade política”.

Além disso, eles destacam que nem toda evolução na saúde está associada a novas drogas. Um dos destaques do congresso, inclusive, foi uma pesquisa que relaciona a poluição atmosférica ao aumento no risco do câncer de mama.

Fernando de Moura, oncologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, é cuidadoso quanto a essa associação e considera serem necessários mais estudos para confirmar a ligação. Por outro lado, enfatiza que há fatores de risco comprovados, como consumo de álcool e tabagismo, apontados no ano passado como as principais causas de câncer no mundo.