Enfermidade é conhecida há séculos, mas só recentemente foram desenvolvidas abordagens que previnem seus sintomas

Naief Haddad
CORDISBURGO (MG)
Ao ser empossado na Academia Brasileira de Letras em 19 de novembro de 1967, três dias antes de morrer, João Guimarães Rosa lembrou Cordisburgo, sua terra natal, e a Gruta do Maquiné, localizada a apenas cinco quilômetros do centro da cidade.
“Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné”, discursou.

No sábado (21) e domingo (22), uma das mais famosas cavernas mineiras recebeu a visita de Augusto Matraga, “duro, doido e sem dete…
[15:14, 27/10/2023] Milena Dias: O que causa hemofilia? Mulheres podem ter sintomas? Tire suas dúvidas

Enfermidade é conhecida há séculos, mas só recentemente foram desenvolvidas abordagens que previnem seus sintomas

Stefhanie Piovezan
SÃO PAULO
A hemofilia faz parte de um grupo de doenças chamadas de hemorrágicas hereditárias ou congênitas, e é causada pela deficiência de fatores de coagulação, proteínas necessárias para que ocorra o processo de reparação dos vasos sanguíneos.
Existem vários fatores de coagulação no sangue, que agem em uma sequência determinada. No final dessa sequência é formado o coágulo e o sangramento é estancado. Em uma pessoa com hemofilia, um desses fatores não funciona. Sendo assim, o coágulo não se forma e o sangramento continua.

Na hemofilia A, que representa cerca de 80% dos casos mundialmente, os pacientes têm uma deficiência no fator de coagulação VIII. Já na hemofilia B, é o fator de coagulação IX que está em falta.

De acordo com o último relatório da Federação Mundial de Hemofilia, lançado em 2022, o país registra a quarta maior população de pacientes com hemofilia do mundo, atrás de Índia, China e Estados Unidos. São 13.337 pessoas com a doença no país, sendo 11.141 com hemofilia A e 2.196 com hemofilia B.

O QUE É HEMOFILIA?
Na grande maioria dos casos, a doença é hereditária e costuma ser transmitida ao filho por uma mãe portadora assintomática.

Isso acontece porque os genes responsáveis pela produção dos fatores VIII e IX encontram-se no cromossomo X. Ao receber esse cromossomo da mãe com o gene alterado e o cromossomo Y do pai, o menino fica apenas com cópias mutadas do gene e expressa a doença.
Nas meninas que recebem um X modificado da mãe ou do pai e outro X padrão, há a presença tanto do gene mutado quando do original e a enfermidade não se expressa ou se apresenta com menor intensidade. Já naquelas com dois cromossomos X alterados, há a manifestação dos sintomas.
Em aproximadamente 30% dos casos, porém, a hemofilia decorre de uma nova mutação, sem que haja qualquer caso na família.
Também há situações raras em que a doença é adquirida na vida adulta. Nessas circunstâncias, há uma desordem no sistema imunológico que afeta a produção dos fatores de coagulação.

MULHERES PODEM APRESENTAR SINTOMAS?
Por muitos anos acreditou-se que apenas indivíduos do sexo masculino poderiam apresentar sintomas de hemofilia e que as mulheres não experienciavam os sangramentos decorrentes da doença. Agora o entendimento é outro.
“No passado, mulheres com os dois X afetados tinham uma sintomatologia muito grande e morriam, por isso se dizia que não existia mulher hemofílica”, conta a hematologista Claudia Lorenzato.
Hoje, com o tratamento para prevenção de hemorragias, elas podem ter uma vida normal e, se tiverem esse desejo, podem inclusive engravidar e dar à luz.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS?
Os sintomas são os mesmos tanto na hemofilia A quanto na B e incluem sangramentos em músculos e articulações, especialmente joelhos, cotovelos e tornozelos; sangramentos sem causa aparente; sangramentos prolongados após cortes, em extrações de dentes ou cirurgias.
Em bebês com hemofilia grave também podem ocorrer sangramentos após a aplicação de vacinas e hemorragia em procedimentos como circuncisão. Foi inclusive como menção a estes casos que a doença foi reportada pela primeira vez. Ela consta no Talmud, coleção de escritos que ajudou a estruturar a religião judaica.

Já entre pacientes leves, que têm de 5% a 40% da atividade do fator VIII ou do fator IX, os primeiros sintomas costumam ser notados apenas na adolescência, associados a traumas mais graves ou a procedimentos cirúrgicos.
Os sangramentos provocam dor, dificultam movimentos e, com o passar do tempo, causam lesões e deformações nas articulações.

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico é feito com a ajuda de exames de sangue. Nas análises, verifica-se a coagulação, a presença do fator VIII (hemofilia A) e do fator IX (hemofilia B) e o nível de atividade dessas proteínas.

COMO É O TRATAMENTO?
Desde 2012, o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece a profilaxia, que consiste em concentrados do fator VIII ou do fator IX para aplicações rotineiras, independentemente de sangramentos. Essa abordagem, ofertada a pacientes graves e moderados com histórico de sangramentos, mantém o nível da proteína estável e evita os sintomas da doença, garantindo maior qualidade de vida.
Uma parte dos pacientes que realizam a profilaxia, porém, desenvolve o chamado inibidor. É como se o organismo entendesse a proteína como um agente estranho e passasse a combatê-la. Nessas situações, o tratamento padrão é a imunotolerância, em que as aplicações de fator são ampliadas para forçar o organismo a se acostumar.
Uma parcela do grupo, contudo, não responde à imunotolerância. Para esse público, foi desenvolvido um anticorpo monoclonal que corrige o processo de coagulação para evitar os sangramentos. Outras abordagens recentes são a redução de anticoagulantes e a terapia gênica.