Falta de informação sobre a enfermidade aumenta a espera por diagnóstico e prejudica o início do tratamento

Stefhanie Piovezan

SÃO PAULO-Folha Press
A cada 100 mil brasileiros, 34 têm uma doença inflamatória no trato digestivo que pode provocar diarreia, cólica abdominal, perda de peso e obstruções intestinais, entre outros sintomas. Trata-se da doença de Crohn, que registrou um crescimento médio anual de 12,1% no total de casos entre 2012 e 2020, mas é ignorada por parte da população e dos profissionais de saúde.

O aumento na prevalência é apontado em um estudo publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas, que indica também maior frequência da enfermidade nas regiões Sudeste e Sul.

“Suspeitamos que no Sul e Sudeste a forte influência europeia possa ter levado a uma tendência genética. Além disso, o processo de industrialização nessas regiões contribui para o aumento da doença inflamatória intestinal”, diz Adérson Omar Mourão Cintra Damião, chefe do grupo de doenças intestinais do Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), coordenador do grupo de doenças inflamatórias intestinais da Rede D’Or e um dos autores do trabalho.

Ainda não se tem certeza do que provoca a doença. Os especialistas entendem que ela é multifatorial e, além de aspectos genéticos e da dieta desequilibrada na correria dos centros urbanos, elementos como estresse, sedentarismo, tabagismo e alterações imunológicas no intestino favorecem seu surgimento.

“Especialmente a alimentação contribui para uma modificação importante da microbiota intestinal, e indivíduos com doença de Crohn geralmente têm uma reação exacerbada aos produtos dessas bactérias, levando à inflamação crônica”, acrescenta.

A doença pode comprometer qualquer região do trato digestivo, desde a boca até o ânus, mas acomete principalmente o íleo, porção final do intestino delgado, e o cólon, parte central do intestino grosso. Ela afeta majoritariamente adultos jovens, porém vem aumentando também em outras faixas, incluindo crianças.

Nesse público, a enfermidade se manifesta de forma mais grave, com grande impacto no cotidiano. Estudo sobre crianças com DII (doenças inflamatórias intestinais) mostra que, na presença de dor abdominal, diarreia ou urgência fecal, elas frequentemente apresentam preocupação, medo e tristeza, faltam às aulas e não participam de atividades recreativas.

Para reduzir as implicações da doença, é importante que o diagnóstico seja dado o quanto antes, mas nem sempre é assim. Em 2017, a ABCD (Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn) fez um levantamento com 3.563 pessoas com DII e verificou que 43% foram ao menos quatro vezes ao pronto-socorro antes da identificação da doença.

Segundo o estudo, 41% dos pacientes demoraram mais de um ano e 20% esperaram mais de três anos para descobrir qual era seu problema de saúde. “Em alguns casos, foram cinco anos sem um diagnóstico correto”, conta a gastroenterologista Marta Brenner Machado, presidente da associação. Esses intervalos entre o início dos sintomas e o tratamento agravam o quadro.

FALTA DE INFORMAÇÃO E PRECONCEITO
“Temos três tipos de comportamento da doença de Crohn”, diz Carlos Sobrado, membro titular da SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia). O primeiro é a inflamação. O segundo é o estreitamento (estenose) do intestino, que provoca dores muito fortes e vômito. E o terceiro é a formação de fístulas, passagens entre duas ou mais estruturas do corpo que não existem em condições normais. “A alça do intestino que está inflamada pode grudar em outra alça, na bexiga, na barriga. De repente, aparece um furo perto do umbigo e começa a vazar material fecal”, exemplifica.

No caso de Leandro Ribeiro, 37, a fístula foi o primeiro sintoma. Ela surgiu quando ele tinha 18 anos e estava fazendo o Tiro de Guerra. “Doía muito e comecei a perder peso. Eu não conseguia exercer as funções no Exército e fiquei com medo de ser preso como desertor.”