Foto da greve dos roteiristas de 2007 – divulgação

FERNANDA EZABELLA

LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – O buzinaço não para, e a multidão não cessa de aparecer já faz mais de um mês em frente aos portões da Warner Bros., estúdio em Burbank, no condado de Los Angeles. Tem gente fantasiada de filme de terror, os atores de “Ted Lasso” apareceram em peso, e há um fluxo constante de comida gratuita, como pizzas e food trucks.

Não é carnaval de rua, apenas greve em Hollywood. Roteiristas de TV e cinema, liderados pelo sindicato Writers Guild of America, o WGA, largaram seus trabalhos no meio para marchar todos os dias da semana do lado de fora de dez estúdios da região, incluindo tradicionais como Fox e Disney e novas firmas como Netflix e Amazon.

Os piquetes são altamente organizados e muitas vezes viram balada, frequentada pela alta sociedade hollywoodiana.

“Tive sorte com nossa série e outros projetos, mas não se trata de indivíduos e sim do coletivo”, disse o ator Jason Sudeikis, cocriador, roteirista e astro de “Ted Lasso”. “O streaming trouxe mais trabalho, mas os salários estão cada vez menores. Há muito lucro e há quem não consiga pagar o aluguel. A conta não fecha.”

Sudeikis estava no protesto da Warner, segurando um cartaz e andando de um lado para o outro na calçada com o resto do elenco da série. Os carros que passavam buzinavam para a multidão, apesar de uma placa recém-instalada pela cidade para conter o barulho.

Nick Mohammed, o Nate de “Ted Lasso”, comentou que era seu primeiro piquete. “É realmente muito empoderador estar aqui”, disse o inglês, que também é criador da série “Intelligence”. “Ted Lasso” cancelou a festa de exibição do seu episódio final em solidariedade aos grevistas.

A greve veio após o fracasso, em 1º de maio, de negociar um novo contrato entre a WGA, que representa 12 mil roteiristas, e o grupo AMPTP, que representa 350 produtoras e estúdios de TV e cinema. Eles debatem o uso de inteligência artificial e as “mini salas”, quando o mínimo de profissionais é contratado temporariamente para escrever uma temporada inteira.

Enquanto a WGA espera reabrir as conversas, a AMPTP negocia com os sindicatos de diretores e atores, que decidem pela greve no final de junho.

A WGA pede aos roteiristas que façam no mínimo quatro horas de piquete por dia. No site, estão os locais, horários e indicações para estacionar, banheiros e restaurantes que dão desconto. Um calendário mostra os dias dos protestos temáticos, como filmes de terror, e há até sugestões de bordões.

Patric Verrone, que trabalhou nos “Simpsons” e “Futurama”, é como um embaixador nas calçadas da Warner. Membro da WGA desde 1987, foi presidente do sindicado na última greve, que durou cem dias entre 2007 e 2008. Hoje, está no comitê de negociações.

“Naquela época, a Netflix mandava DVD pelo correio, a Amazon vendia livros, e a Apple lançava o iPhone”, disse Verrone, que teme a “uberização” da profissão. “O modelo de negócio dessas firmas de tecnologia nunca foi sindicalizado, ao contrário da indústria do entretenimento. A agenda é diferente. Então talvez seja mais difícil fazê-las nos entender.”

Entre conversas sombrias sobre o futuro da categoria, há quem venha para fazer contato, vender ideias e descolar trabalho. “Os atores são os piores”, disse rindo o criador de um seriado de ficção científica da Netflix que pediu anonimato.

Os roteiristas precisam fazer check-in nas tendas da WGA instaladas nas calçadas, mas todas as classes são bem-vindas. As tendas são abastecidas com cartazes, apitos, tampão de ouvido e protetor solar, além de água, café e muita comida que chega por doação.

No portão da Disney, a menos de 2 km da Warner, cinco apresentadores de talk-shows, como Jimmy Kimmel e Fallon, patrocinavam uma barraquinha de pretzel. O comediante Drew Carey está pagando lanches para todos sindicalizados em dois restaurantes da região.

A WGA criou um fundo de ajuda a profissionais da indústria (não apenas roteiristas) afetados pela greve. O fundo já tem mais de US$ 2 milhões, levantados com ajuda de J.J. Abrams, Ryan Murphy e Shonda Rhimes.

“Participei da greve de 2007 e é muito diferente agora. Não tínhamos esse nível de solidariedade, nem essa quantidade de doações”, disse Dailyn Rodriguez, que foi showrunner de “Queen of the South”, com Alice Braga. Antes da greve, estava na série “The Lincoln Lawyer”. “Estávamos começando a escrever a terceira temporada, mas tivemos que parar.”

Na semana retrasada, os grevistas vieram vestidos como personagens de “Extra! Extra!”, um musical da Disney sobre a greve de entregadores de jornal. “Vieram músicos, todo mundo cantou junto”, lembrou.

Os roteiristas Francis Weiss Rabkin (“Dickinson”) e Zev Frank (“Patriot”), amigos de Chicago que hoje moram em Los Angeles, marcaram de se encontrar no protesto da Netflix para colocar o papo em dia. Ao contrário das manifestações na Warner e na Disney, que são lotes gigantes com diferentes portões, a da Netflix é mais concentrada numa única entrada de carros.

“A energia aqui é mais confrontadora. Tem quem saia da garagem e buzine em apoio, e tem quem faça de tudo para nos ignorar, até evitar um olhar”, disse Frank.

Rabkin, que conseguiu seu primeiro emprego de roteirista em 2020, pensa em arranjar um emprego temporário para pagar despesas. “É bom vir aqui conversar com colegas. É uma sensação boa de unidade, e não competição. Afinal, não tem trabalho para ninguém.”